segunda-feira, 22 de maio de 2017

Cantiga em prosa



Instantes de ânsia extrema.

Você o tempo todo no pensamento, a preencher horas de ação e de ócio.

Seu beijo. Seu cheiro. Seu corpo abraçado por mim com a loucura de quem queria ver o tempo parar. O pânico de não conseguir negar que a impossibilidade de eternizar nossos momentos fosse possível.

Era você. Anjo às vezes. Às vezes um demônio num corpo de luxo. A me obrigar a congelar o calor torturante de meus genitais, apalpá-los, apertá-los, como se assim diminuísse a gula de possuir você inteiramente.

Estamos diante do portão de sua casa, 23h:30min. Ou diante do portão de meus pensamentos? Você usa uma camiseta que tem uma foto da Mary Poppins estampada, sem sutiã por baixo. Você veste uma minissaia. Beijo sua boca. Mordisco seus lábios. Esfrego-me em seu corpo. Você chupa minha língua com volúpia. Toco seus seios. Minhas mãos passeiam pela sua bunda. Você me empurra. Pede para eu parar.

Era você. O nome que eu sussurrava enquanto descia de montes isolados para tocar punheta, sentir-me mais vazio depois de gozar.

Tanta laranja madura, tanto limão pelo chão!

Era você que fazia com que eu achasse que ir longe demais fosse perto. Era você que fazia e ainda faz meu coração bater de forma acelerada e dolorosa.

– Melhor acabarmos com isso.

Você acabou comigo.

– Morrer de amor não mata.

– Não? E o louva-a-deus?

– Eu disse morrer de amor. Não disse morrer de amar.

Tanto sangue derramado dentro do meu coração!



***


Edson Lopes é poeta, nasceu em Curvelo-MG, mora em Buritizeiro há 16 anos, onde foi professor de Literatura, quando existiu. Atualmente, é professor de Português e autor dos livros Alice no país da mesmice (2000), Historinhas integrais em prosa e verso (2015) e Piolhos (2016), além de ter participado das antologias Combustível, Metal e Poema (2011) e Antalogia Poética (2009).


Vinícius Ribeiro, artista. Começou a desenhar desde a mais tenra idade e nunca mais parou. Atualmente, estuda Artes Visuais na Universidade Estadual de Montes Claros. Colabora periodicamente como ilustrador para O Salto, além de ser autor do blog pessoal Pensamento Ilustrado (http://pensamentoilustrado.tumblr.com/)

domingo, 7 de maio de 2017

O colapso da torre é o maior dos arcanos maiores



Nada muda a direção de uma faca a abrir-lhe o peito às 6 horas da manhã. É vendo a mesa, o pão e a xícara que se descobre como se movem as correntes marinhas e os demais movimentos continuados de uma matéria. Uma onça, sálmica, no cume da rocha, tentando fugir do fogo que jamais tivera a chance de causar: lá fora as pessoas tomam o ônibus para ir ao trabalho.

Esse é, assim parece, o regime do corpo. O corpo, que pode ser a mãe de três filhos e também o facínora, o corpo cuja pele é o que há de mais profundo, submetido à retórica do sacolejo. Um umbigo muitas vezes é um poço raso em que, com algum esforço, se pode afogar.

Em 1854, Auguste Salzmann fotografou os muros de Jerusalém do lado de fora. A revista Annales Archéologiques, à época, disse que as fotos demonstravam uma relação sálmica com a cidade sagrada.

Sálmica é a onça que dorme em pé da Zona Norte à Zona Sul.


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Cecília Donateli (1989) é capixaba, mineira e carioca em um corpo só. Graduou-se em Direito. Para compensar esse auto-boicote, escreve poemas.


Vinícius Ribeiro, artista. Começou a desenhar desde a mais tenra idade e nunca mais parou. Atualmente, estuda Artes Visuais na Universidade Estadual de Montes Claros. Colabora periodicamente como ilustrador para O Salto, além de ser autor do blog pessoal Pensamento Ilustrado http://pensamentoilustrado.tumblr.com/