Dizem que acontece mais
com quem tem problemas de insônia. Momentos que parecem ser verdadeiros.
Eternizam-se, em poucos minutos. Beliscar-me, durante tais, não é fácil.
Não sei como fui aparecer naquele poço quase seco. Apenas
um filete bem manso a correr de acordo com sua índole, em direção a uma
ribanceira. Não formava cachoeira. Nem queda-d’água.
Vi a casca branca da cobra semienterrada na lama. De
súbito, não era mais uma casca. Um movimento infinitamente leve ocorreu. Olhos
apagados se abriam: uma cobra branca com faixa de meio metro de comprimento. O
medo me paralisava, mas, de forma sutil, consegui desviar meu olhar dos dela,
hipnóticos. Recuei.
Daria para correr, mesmo que as pernas tremessem,
exageradamente.
E, eis que, sob a crosta de lama, por onde corria o
filete de água cristalina, aparece outra cobra muito maior, porém, parecida com
a primeira.
Uma naja? Boipeba? Surucucu? Sucuri? Qualquer semelhança
com algum filme de Indiana Jones
teria sido mera coincidência.
Ela começou a se erguer, toda pescoço, em minha direção,
cheguei a crer, até, que tivesse pernas e pés e asas. Depois, escorregou por
entre pedras lodosas, mergulhou na ribanceira, desapareceu, deixando, atrás de
si, a pouca água transformada em lama.
Pensei que fosse uma artimanha do animal para me pegar
pelos flancos. Aquilo, penso, poderia engolir um hipopótamo. Pensei, ainda, em
vislumbrar vestígios da cobra menor, mas ela havia sumido.
Comecei a correr. Atolava-me, de forma tola, em meus
movimentos temerosos.
Saí da lama e esbarrei num trilho, que apareceu do nada.
Ao lado do trilho, havia uma floresta gigantesca de pés de assa-peixe. Por que
assa-peixe? Não havia tempo para respostas às indagações contidas em meu
monólogo. Em verdade, em verdade, as coisas são o que estão por uma questão de
falta de alternativa. Uma espécie de charrete guiada por um homem, de chapéu,
um homem do qual eu podia ver apenas um vulto escuro, surgia.
Eu tentava gritar, mas a minha garganta não emitia nenhum
som. Percebi, também, que eu ia em direção da charrete e ela vinha em minha
direção, mas não conseguíamos nos aproximar.
Imensidão de arrepios de pavor e calafrios. A qualquer
momento, a cobra gigante poderia me tocaiar, surgir de entre a floresta de pés
de assa-peixe.
- Pai! Pai!
Acordei, com o chamado de Mariana.
- Nossa, pai, você estava agitado demais; rolava na cama,
falava enquanto dormia.
Mariana tocou minha testa.
- Está quentão, pai, deve ser febre muito alta. Tem que
tomar Dipirona. Vou pegar o
termômetro. Tem de consultar.
Contei este sonho a um senhor de idade, meu conhecido,
que se mete a médium, mas só tem fama de ter feito muitos despachos na vida e
curado quebranto, vulgo Zé Macumba.
Ele me orientou, com ar onisciente:
- Fizeram um trabalho para você, professorzinho.
Acrescentou, ainda, que iria jogar um passe, com duas
cobras e, outro, com cobra e burro, e outro com cobra e veado no jogo-do-bicho.
Fiquei desconfiado que os burro e veado ao qual Zé Macumba se referia eram eu.
Desconsiderei. Cocei as picadas de pulga atrás da orelha. Serenei.
***
Edson
Lopes é poeta, nasceu em Curvelo-MG, mora em Buritizeiro há 16 anos, onde foi
professor de Literatura, quando existiu. Atualmente, é professor de Português e
autor dos livros Alice no país da mesmice
(2000), Historinhas integrais em prosa e
verso (2015), além de ter participado das antologias Combustível, Metal e Poema (2011) e Antalogia Poética (2009).
Ilustrações: Vinícius
Ribeiro (http://pensamentoilustrado.tumblr.com/)