quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Maria Vargas e As aventuras de Pira-Poré


Autora de quatro volumes de Aventuras de Pira-Poré, coleção de livros infantis dedicados às descobertas do cerrado e da cultura indígena Kariri, a escritora Maria Vargas conta sobre o seu processo criativo, a importância do incentivo à leitura, as dificuldades para lançar-se escritora e, principalmente, sobre o seu amor e dedicação à literatura infantil. O salto agradece a gentileza da autora em ceder esta entrevista. 


Como e quando surgiram As aventuras de Pira-Poré na sua cabeça?

As aventuras do Pira-Poré são histórias ligadas ao Rio São Francisco e o rio é a inspiração maior presente na minha vida. Sempre quis escrever sobre ele. A ideia sempre foi lançar uma visão mais humana sobre o rio e resgatar a história indígena da nossa cidade. Uma visão que não fosse unilateral como a que conhecemos e aprendemos na escola. Aquela visão dos índios agressivos, “belicosos”, que receberam os bandeirantes com flechas e pedras. Eles eram os primeiros moradores e foram expulsos do lugar que escolheram para morar. Eram pessoas integradas à natureza, que sobreviviam dela e certamente enfrentavam, no seu cotidiano, os problemas e vivências característicos da sua comunidade.

O que te motiva a escrever para esse público tão específico?

Busquei o caminho do rio e o resgate da história indígena, por meio da literatura infantil, porque acredito que as crianças possuem uma percepção mais sensível, um olhar mais sincero sobre o que ocorre à sua volta.
A proposta da “Coleção Aventuras de Pira-Poré” é trazer ao público infantil valores como amizade, sociabilidade, cidadania e consciência ambiental. O objetivo é fazer com que as crianças se identifiquem com o personagem, que gostem do que ele vive no dia a dia, que admirem o comportamento dele e que tomem conhecimento de uma cultura diferente daquela que conhecem. Acho que essa identificação pode trazer um aprendizado de maneira mais lúdica e prazerosa, sem imposições que possam provocar desinteresse pelos temas propostos.

Quais foram os caminhos percorridos para a concretização dessas aventuras? Quais as maiores dificuldades?

A maior dificuldade para se lançar escritor é, com certeza, encontrar uma editora que banque o seu projeto. Para o novo escritor, a procura é longa e cansativa. Mas se você procura  alternativas, pode conseguir concretizar o seu sonho. No meu caso, consegui isso por meio de Leis de Incentivo à Cultura. Essas leis oferecem oportunidades para todos os agentes culturais. Elas abrangem literatura, música, audiovisual, teatro e outras manifestações artísticas. Três exemplares de “As Aventuras de Pira-Poré” foram publicados com o patrocínio da Lei Municipal Ascânio Lopes de Incentivo à Cultura, na cidade de Cataguases, onde resido atualmente. Considero a Lei Ascânio Lopes uma grande iniciativa do município. Todo o setor cultural é beneficiado por ela. Para mim é uma honra ter sido contemplada em três anos consecutivos. Tive a oportunidade de distribuir os livros em 27 escolas públicas municipais e de conversar com as crianças da maioria delas. Isso é muito importante. Todas as edições tiveram tiragem de 2.000 livros. A contrapartida para a Prefeitura de Cataguases é de 20% da obra, ou seja, 400 livros. Eu doo mais 600 livros e faço a entrega direta nas escolas, para que todas possam ser contempladas, sem falha. Existem ainda a Lei Estadual e a Federal (Lei Rouanet), que patrocinam projetos culturais através de incentivo fiscal. Quanto à história dos livros, todas as aventuras infantis e os cenários dessas aventuras são experiências vividas por mim, pelos meus irmãos e irmãs, amigos e amigas e que a maioria dos piraporenses e barranqueiros também vivenciaram na infância. A relação com o rio, com o clima, as árvores, os animais, flores e frutas do cerrado são elementos que até hoje fazem parte da vida das pessoas que moram às margens do rio. Evidente que mesmo com esse conhecimento que tenho sobre as coisas do rio e suas histórias, fiz muita pesquisa e inseri nos textos elementos lúdicos de ficção para aproximar o leitor do universo e da cultura indígenas.




Você escreve texto adulto ou somente literatura infantil? Quais são as peculiaridades do texto para crianças?

Tenho escrito textos infantis, que atraem leitores de todas as idades. Nada impede que em um determinado momento eu também escreva textos exclusivamente para um público adulto ou juvenil. O livro infantil tem características fantásticas: o visual, as ilustrações, cores, o design gráfico. Essa possibilidade de “amarrar” a ilustração ao texto é maravilhosa. Em outros casos, somente a ilustração é o bastante, não há necessidade do texto. A história é visual e está lá para ser desvendada pelo leitor. No caso do Pira-Poré,  tenho uma parceira fantástica, a artista plástica Marina Vargas Tomaz. Sendo também de Pirapora, ela tem o olhar sensível e conhecedor sobre a história contada. Além de sobrinha, Marina é minha afilhada. Temos uma ótima relação e total compreensão sobre os objetivos do projeto Pira-Poré. Estamos sempre em contato sobre a melhor forma de se adequar texto, linguagem e ilustrações. Quanto ao texto, acredito que ele tem que apresentar alguns elementos comuns ao mundo infantil: curiosidade, criatividade, imaginação, ou seja, é preciso enxergar o mundo com o olhar da criança. Além disso, o texto não pode ser cansativo e com frases longas. Elas devem ser mais curtas, com palavras e linguagem simples.

Qual a importância da leitura já na infância? Você era uma criança leitora?

Desde a infância sempre tive um incentivo muito grande à leitura. Os livros estavam à nossa disposição. Minha mãe é uma leitora ávida. Sempre discutia conosco sobre as histórias dos livros. Sobre os escritores. O meu pai também. Acho que fui privilegiada nesse aspecto. O gosto e a admiração pelos livros e pelos escritores é que me fizeram sonhar com a possibilidade de poder também, um dia, aventurar-me na literatura. O incentivo deve acontecer de forma natural, sem imposições. A criança deve sentir prazer com a leitura. Ouço muitas vezes que é preciso ter o “hábito” de leitura. Hábito é, por exemplo, tomar banho todos os dias. Em minha opinião, as crianças e as pessoas de modo geral, precisam encarar a leitura como uma ação prazerosa, não impositiva: “Eu tenho que ler, todo mundo está lendo, eu tenho que ter cultura e conhecimento...” etc e tal.  Isso não funciona. Os pais e a escola, cada um a seu modo, devem incentivar com exemplos. Dessa forma a leitura não será encarada como uma obrigação.

Além de escritora, você também é contadora de histórias. Como tem sido essa experiência?

Contar histórias é o recurso que utilizo para conversar com as crianças sobre literatura infantil e sobre a atividade leitora. Essas atividades exigem, primeiramente, entender que elas têm uma experiência e vivência bem diferentes umas das outras. Existem crianças que não são incentivadas à leitura em casa. Só recebem esse incentivo na escola. Os projetos das escolas que incentivam a leitura são muito importantes (dia da leitura, cantinho da leitura, contação de histórias etc). Nos encontros que realizo com as crianças, meu objetivo é o de promover uma reflexão sobre o papel e a importância da leitura. Incentivar a atividade leitora com ênfase na leitura universal, da leitura que te retira do gueto cultural. Eu acredito na leitura que te permite olhar e conhecer além dos muros que cercam o seu espaço social. Acho também que a mesma ênfase, com uma abrangência muito maior, deve ser direcionada aos mediadores de leitura.


(encontro com alunos das escolas municipais  de Cataguases - MG)


Você pensa em projetos de literatura infanto-juvenil, juvenil ou adulta?

No momento não. Os meus projetos atuais são todos voltados para o público infantil.

Como Pirapora recepciona sua carreira? Há espaço, apoio?

Além do incentivo e apoio da família e dos amigos, a única escola em Pirapora que recepciona o meu trabalho é o Colégio Pirapora. Direção, professores, funcionários, alunos e pais de alunos sempre incentivam as apresentações do Pira-Poré. Todos os anos em que eu e Marina estivemos com eles foi uma festa. Sempre nos  recebem com muito carinho. Em Buritizeiro fui convidada por Ildete Braga, uma amiga querida, e me apresentei na Escola Estadual Prefeito José Maria Pereira. Foi um encontro ótimo com os alunos. Adorei e espero voltar na escola.

(lançamento de Pira-Poré e a chuva no Colégio Cenecista de Pirapora)


Por que você escreve?

Porque gosto de literatura. Gosto de ler, contar histórias, compartilhar conhecimento. Aprender sempre. Tenho ainda tantas perguntas sobre o ato de escrever, tanto a aprimorar. Mas continuarei tentando. Tenho outros projetos e espero que eles possam provocar, da mesma forma que o Pira-Poré, entusiasmo nos meus leitores.


(ilustração de Marina Vargas Tomaz)

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