1) Para
se chegar a uma cachoeira é preciso, antes, percorrer uma trilha.
2) Anterior
à trilha, porém, é o povoado. Em todo povoado há um bar chamado O pior buteco do mundo.
3) Ainda
nesse lugarejo, onde há praça, supermercado e feira, é possível encontrar um
antiquário, um que seja, que por alguma razão misteriosa só abrirá à noite suas
portas.
4) Parece
impossível localizar-se enquanto se anda. Por isso, utilizam-se filmes para
marcar a trilha. Rocky Balboa aqui,
nesta planta com bíceps; A noviça rebelde
ali, naquele campo onde alguém gira. Como a demarcação paira nas cabeças que
caminham e desaparece quando elas se vão, outros que chegam não saberão
localizar os bíceps, não verão alguém no campo vasto. Exceto no caso de terem
fixado os cartazes dos filmes pelas árvores e rochas, será preciso inventar
novas referências.
5) Há
sempre, em toda trilha, tempo de parar e esperar.
6) Os
pés que deslizam, o corpo que cai.
7) E
há a cachoeira. Mas antes, por todo o caminho, pedras empilhadas, círculos de
pedras com uma ao centro, Stonehenges em miniatura.
8) No
meio d´agua, basta correr os olhos, há uma rocha triangular e, em sua frente,
outra, ainda maior, com um círculo atravessado em seu peito. É possível
atravessar a rocha pelo meio, como se atravessa uma porta.
9) Dessa
cachoeira em diante, só haverá o caminho pela água.
10) Catam-se
perdas. E água quando encontra água faz silêncio.
11) Há
sempre um cachorro morando na beira. Ele se acomoda entre as pedras,
alimenta-se de quem chega (e de moscas), conhece como ninguém todas as pegadas,
o atrito secular entre o rio e as rochas.
12) A
água é gelada, faça chuva, faça sol. A única vantagem do extremo frio é esta
dúvida: são os músculos ou os ossos que se enrijecem? Os pelos se arrepiam, isso
sabemos.
13) O
mergulho só revela a nossa profundeza. Os olhos abertos de quem mergulha
capturam apenas dois braços perdidos tentando tocar.
14) Catam-se
pedras. Alguns as levam para casa, outros as abandonam.
15) Ao
redor, o vale das garrafas, das maçãs empodrecidas, o município dos pães duros,
das camisinhas, o distrito da Elma Chips, o bairro das sacolas plásticas. Cabe
fazer visita.
16) Outras
pessoas estão sentadas, encolhidas de frio, tomando sol, submersas. Algumas, querendo
roubar o status de queda, pulam. Outras respeitam o fato de que queda mesmo só
há uma, aquela que dura – não pulam. E existe, ainda, a moça que no alto
somente olha para baixo, pois sabe que o medo é outra forma de reverenciar.
17) Recomenda-se
levar poemas, ler para si mesmo. Quem tiver algum decorado, cantarolá-lo pelo
caminho, diante das ribanceiras.
18) A
trilha de volta já não é a mesma. Tudo muda depois que você chega.
***
Douglas
de Oliveira Tomaz, 23 anos, é autor do blog pessoal www.abrigosdevagabundo.blogspot.com.br,
foi premiado pelo concurso literário do Clube de Escritores de Ipatinga – MG
(Clesi) e possui textos seus publicados pela Revista Jangada e Conhecimento
Prático - Literatura. Em 2015, lançou de modo artesanal seu primeiro livro
de poemas: Escorre. Atualmente, mora
em Belo Horizonte, onde escreve seu primeiro livro de contos.