No
corpo de criaturas não mais estranhas da quase em estado de demência mente
minha, digo: moram linhas abstratas escuras escritas por um salmista démodé.
Tenho, no entanto, o bom ou mau senso de que tentar mudar o mundo mesmo quando
a realidade se mostra cruel faz a gente ficar com aspecto de coitadinho. Então,
é tentar viver até as banalidades extraordinariamente. Fingir que a felicidade,
quem sabe, existe.
Neste espaço pequeno há uma
infinidade de pássaros. De alguns nem sei os nomes. Quem aparece em maior
quantidade são os pardais. Vêm, desde manhã, se esbaldar na ração dos
empesteados cães. Ou no arroz cru que Andreia depois de molhar, deixar o pó
escorrer, coloca ao sol para secar.
Juritis. Bem-te-vis. Anus. Pombos.
Rolinhas pardas. Rolinhas pedreses. Tico-ticos.
Canários. Pássaros pretos. Maritacas. Cabecinhas-pretas. Sabiás.
Pica-paus. Até araras temporãs aparecem. Uma vez vi no alto do abacateiro um
jacu. Alguém me disse que jacu não é pássaro, é uma galinha capaz de voar. Senti,
ainda, a impressão de ter visto garças, gaivotas, martim-pescador e marrecos
d’água neste lote. Trem de causar inveja: ter o Velho Chico praticamente dentro
dos muros que rodeiam a casa deste pobre mortal.
Insisto em achar que tais aves
surgem de seus cantos de mato por causa da variedade farta de frutos nascidos
em meu quintal: abacate, tangerina, umbu, seriguela, goiaba, caju, tamarindo,
acerola, manga, mamão, jabuticaba.
Às vezes a solidão ousa me oprimir
aqui. Desequilíbrio de não ter a coragem de deixar a cabeça nas nuvens e tirar
os sapatos para sentir o chão com maior plenitude.
A natureza a girar em torno de mim
como a Terra em torno do sol.
Pecado mortal de sentir infelicidade
com tanta superfície bela onde os olhos pousarem.
***
Edson
Lopes é poeta, nasceu em Curvelo-MG, mora em Buritizeiro-MG há 16 anos, onde
foi professor de Literatura, quando existiu. Atualmente, é professor de
Português e autor dos livros Alice no
país da mesmice (2000), Historinhas
integrais em prosa e verso (2015) e Piolhos
(2016), além de ter participado das antologias Combustível, Metal e Poema (2011) e Antalogia Poética (2009).
Ilustração: Vinícius Ribeiro. Começou a
desenhar desde a mais tenra idade e nunca mais parou. Atualmente, estuda Artes
Visuais na Universidade Estadual de Montes Claros. Colabora periodicamente como
ilustrador para O Salto, além de ser
autor do blog pessoal Pensamento
Ilustrado (http://pensamentoilustrado.tumblr.com/)