Passarinho
na árvore parece pensar, pois tudo é silêncio então. Alguém podia até dizer
algo agora. Então. Agora. Parecemos nos repetir. Quantas cartas você me
escreveu? Não lembro. Também não lembro qual de nós dois escreveu a última. Sem
honra ao mérito. Sem demérito. Que as melhores impressões, atitudes e momentos
fiquem gravados no cofre inviolável da alma. Por falar nisso, aquela carta sua
com o cheiro de seu perfume do Boticário,
recebida bem nos instantes em que eu ouvia Glory
of Love, do Peter Cetera, um som comovente para mim, foi algo muito bom.
Você
viu meu nome numa página repleta de nomes de pessoas com desejo de trocar
correspondências e escreveu para mim. Eu trocava correspondência com outras
pessoas. Sabe, acho que foi assim que tomei gosto por escrever. Eu trocava
correspondência com outras pessoas, mas com você havia um clima diferente. Eu
percebia calor nas suas cartas, nas suas palavras. Quantas vezes tento
encontrar seu nome em um possível endereço eletrônico nas redes sociais! Anseio
saber se consegui chegar, no mínimo, ao status de lembrança para você, sumida.
Dizem
que numa amizade sincera não devem existir segredos. Entretanto, gostaria de
abrir mão do direito de um que guardei escondido de você. Talvez já o tivesse
confessado se tivesse logrado êxito em contatá-la. Engraçado. Pensei no trecho
do poema Navio Negreiro, do Castro
Alves: “Lucimara, onde está que não responde? Em que mundo você se esconde?”
Sabe
que sou meio pateta e tenho uma facilidade danada para cair no poço da comicidade.
Aquela vez em que nos encontramos no Terminal Rodoviário de Guarulhos e bastou
que houvesse um tímido aglomerar de transeuntes para eu me perder de você não
sai da minha cabeça oca. Aquela bagagem que eu deixara perto de você quando saí
para comprar um litro de água mineral – época em que me preocupava com
hidratação.
Sabe,
há um longo tempo, aprendi a beber. Há um longo tempo, parei de fumar. Pois é,
naquele dia, você via de longe meu estado de aflição, ria quase histericamente,
eu quase chorava. Gostei de conhecer sua família, seus pais, irmãos... Não me
senti confortável foi com os comentários feitos acerca de meu mineirês. Nem de ficar sabendo que vocês
se divertiam com os adesivos de bandas de rock e letras de músicas irreverentes
que eu colava nos envelopes das cartas que lhe enviava. No mais, fui muito bem
tratado por vocês.
Mudando
de assunto, havia em você uma forma coesa e coerente de separar as coisas que
impossibilitou que nos enamorássemos. Vejo isso positivamente hoje. Mesmo que
alguns amigos meus me dissessem: “Você está dando mole. A menina está afim de
você.” Bem. Vou imaginar que não saiu de sua memória o verso Longe é um lugar que não existe, do
Richard Bach, também título do livro com o qual lhe presenteei àquela véspera
de seu aniversário.
Você
se encontrava doente. Eu queria lhe dar uma boneca de pano de presente, mas,
para variar, estava quase sem dinheiro, e a que eu tinha visto, com muita
cobiça, numa loja de artesanato, era linda, mas muito cara. Em tal ocasião,
passei perto de uma livraria e entrei. Perguntei ao vendedor se ali havia algum
livro bom para presente que não custasse muito caro. Ele me mostrou alguns em
promoção e entre eles o Longe é um lugar
que não existe. Me falou do livro, mas eu, avoado demais, nem prestei atenção.
Comprei. Pedi para embrulhar com papel de presente, enviei-o por Sedex para você.
Você
fez questão de telefonar para o nº que eu lhe havia passado, por não ter
telefone em casa, do escritório da fábrica, onde eu trabalhava, para me
agradecer. “Valeu, pelo livro. Amei. Que lindo. Era o que eu precisava para
melhorar o astral de enferma.” E continuou a tecer comentários muito elogiosos
sobre o livro e sua temática em si. Eu monossilabava,
fingia estar ciente do texto presente no objeto em foco. “Sim... É... Hum,
hum...”
Aqui,
eis o segredo: com você aprendi que devemos ler um livro antes se pretendemos
dá-lo de presente a alguém.
***
Edson
Lopes é poeta, nasceu em Curvelo-MG, mora em Buritizeiro há 16 anos, onde foi
professor de Literatura, quando existiu. Atualmente, é professor de Português e
autor dos livros Alice no país da mesmice
(2000), Historinhas integrais em prosa e
verso (2015), além de ter participado das antologias Combustível, Metal e Poema (2011) e Antalogia Poética (2009).
Ilustrações: Vinícius
Ribeiro (http://pensamentoilustrado.tumblr.com/)