Belo Horizonte, Minas
Minha cama fica embaixo da janela. Deitado, consigo
vislumbrar pedaço de céu, pedaço de prédio. A cortina não é capaz de cobrir o
vidro por completo. Isso quer dizer que, em todas as manhãs, acordo com a luz
forte do sol em meu rosto. Preciso passar filtro solar antes de dormir. Penso.
É domingo. Decido fazer uma primeira caminhada pelo
bairro. Calço o tênis de caminhar que é o mesmo desde os dezessete anos, o mais
confortável que ainda tenho. Duas constatações ao calçar o tênis: meu pé parou
de crescer, caminho pouco.
Paro na banca de revistas. A Piauí tem o mesmo preço aqui
ou em qualquer outro lugar do país. Esse fato nos conecta: eu e você, eu e os
moradores do Piauí, eu e o outro, morador da cidade de onde vim. O preço da
Piauí me conecta.
Mapeio: um supermercado, dois cabelereiros, uma
universidade, um aeroporto, uma praça, um shopping, uma pequena alameda
comercial – nenhum rio. Dentre esses itens, percebe-se a proeminência do
aeroporto. Vários estabelecimentos saúdam-no: AeroBalas, AeroShopping,
AeroBurguer, AeroPão, Varejão Aeroporto. A Churrascaria do Manuel e o
Restaurante Maria das Tranças, embora ignorem a reverência, também são nomes
dignos de nota. Julgo eu.
Acordei em silêncio, almocei em silêncio, faço esta
caminhada completamente calado. Prefiro me perder a pedir informação, hoje é
domingo. Dia de descanso da fala. Permito aos pés falarem no lugar da boca. O
ruído emitido é palavra. Evito o uso do mesmo vocabulário de dias da semana. Oi, bom dia, como posso chegar à avenida
Santa Rosa? E o aeroporto, onde fica? Meus pés produzem neologismos.
O som dos aviões me acorda junto com a luz do sol
entrando pela janela. Moro a duas quadras do aeroporto e próximo, muito próximo
do sol. O que já foi mencionado.
Passo em frente a uma igreja, onde se concentra uma
grande quantidade de mendigos. Estão deitados na calçada, onde suas sacolas e
lonas também se deitam. Descansam, pensam, morrem. Eu morro caminhando – mas,
na maior parte do tempo, morro deitado em minha cama, olhando pedaço de céu,
pedaço de prédio. Caminho pouco. O quanto de desespero é convertido em fé?
Encontro um amigo de outra vida enquanto folheio a Piauí
na banca. O vendedor discute futebol com um cliente, os moradores desta cidade dão
muito valor ao futebol, é o que penso quando o amigo de outra vida chega, toca
meu ombro, me abraça e diz: o que você está fazendo aqui? Iniciamos conversa. A
conversa termina. Prosseguimos caminhada: eu em minha direção (qualquer uma),
ele na dele (mais certa). Passo em frente à drogaria Cristina, cuja matriz fica
em Pirapora. Há uma franquia da drogaria Cristina em meu novo bairro, paro na
porta, espanto na cara. Uma vendedora me olha lá do fundo, ri de mim,
forasteiro flagrado. Não, não é possível ser desconhecido em Minas. Não é
possível passar despercebido. Perder-se.
Volto pra casa.
***
Douglas
de Oliveira Tomaz, nascido em 1993, é autor do blog pessoal www.abrigosdevagabundo.blogspot.com.br,
recebeu uma menção honrosa no concurso literário do Clube de Escritores de
Ipatinga – MG (Clesi), edição 2013, e possui textos seus publicados pela Revista Jangada e Conhecimento Prático - Literatura. Em 2015, lançou de modo
artesanal seu primeiro livro de poemas: Escorre.
Atualmente, mora em Belo Horizonte.
Ilustração:
Vinícius Ribeiro (http://pensamentoilustrado.tumblr.com/)
Lindoo!
ResponderExcluir