O pequeno calango sobe
pelo tronco do pé de abacate, vacila; desce ao chão batido da entrada do
quintal. Chega quase próximo à cadela, que o observa, finge não estar em ritmo
de emboscada; porém, até respira, compassadamente. Seu olhar furtivo não escapole
da lagartixa do mato. O calango faz o
mesmo jogo de subir e descer da árvore e se aproximar da cadela. Ela permanece
aparentemente impassível.
Observo este jogo e nele me vejo. A ladeira da vida. Meus
artifícios. Meus despropósitos. Planos que chego a estar próximo de
concretizar, que abandono; mormente, arrependido, mas de forma abrupta.
Se os rastejantes tivessem asas, decerto devorariam todos
os pássaros. Deus não lhes dá. Dizem que Deus dá outras coisas. Entre elas, o
ânimo, a alma.
Então, por que ao desistir, ao me sentir derrotado pelos
descaminhos da subsistência, torno-me este recipiente insípido, vazio? E aí, Deus, onde estás que não respondes?
O pior é tal fato acontecer, mesmo depois de meu senso de
presunção sofrer um lapso, de eu pensar ter concluído os Doze Trabalhos de Hércules.
É, decerto, a lupa de meus semelhantes focada em meus
esforços. De repente, uma impressão alheia, uma frase de sutil desdém: Qualquer um pode ser gênio; basta 1% de
inspiração e 99% de transpiração. Pica-se, aqui, a caveira alva de Thomas
Edison com alfinetes enferrujados.
Levo as mãos ao rosto, cubro-o, choro. Procedimento
padrão, às ocultas, dos últimos dias. Choro, de maneira compulsiva, depois de
perceber que meus diamantes atirados na lama para porcos pisotearem são, na
verdade, bijuteria; pior, vidro ordinário. Simples, assim, vê-los transformados
em cacos, em pó de si mesmos. Minha
impotência é sombreada pelas cores do arco-íris de um mosaico.
Vento, poeira, areia, nuvem, chuva e demais mensageiros
efêmeros da natureza colocam à minha disposição um mistério. O sol é muitíssimo
claro. O tempo me pede para ter esperanças. Nos ares há sangue. Nos ares há
chamas. Nos ares há lama.
***
Edson
Lopes é poeta, nasceu em Curvelo-MG, mora em Buritizeiro há 16 anos, onde foi
professor de Literatura, quando existiu. Atualmente, é professor de Português e
autor dos livros Alice no país da mesmice
(2000), Historinhas integrais em prosa e
verso (2015), além de ter participado das antologias Combustível, Metal e Poema (2011) e Antalogia Poética (2009).
Ilustrações: Vinícius
Ribeiro (http://pensamentoilustrado.tumblr.com/)