terça-feira, 19 de julho de 2016

A figueira em que Jesus rogou praga



O pequeno calango sobe pelo tronco do pé de abacate, vacila; desce ao chão batido da entrada do quintal. Chega quase próximo à cadela, que o observa, finge não estar em ritmo de emboscada; porém, até respira, compassadamente. Seu olhar furtivo não escapole da lagartixa do mato. O calango faz o mesmo jogo de subir e descer da árvore e se aproximar da cadela. Ela permanece aparentemente impassível.

Observo este jogo e nele me vejo. A ladeira da vida. Meus artifícios. Meus despropósitos. Planos que chego a estar próximo de concretizar, que abandono; mormente, arrependido, mas de forma abrupta.

Se os rastejantes tivessem asas, decerto devorariam todos os pássaros. Deus não lhes dá. Dizem que Deus dá outras coisas. Entre elas, o ânimo, a alma.

Então, por que ao desistir, ao me sentir derrotado pelos descaminhos da subsistência, torno-me este recipiente insípido, vazio? E aí, Deus, onde estás que não respondes?

O pior é tal fato acontecer, mesmo depois de meu senso de presunção sofrer um lapso, de eu pensar ter concluído os Doze Trabalhos de Hércules.

É, decerto, a lupa de meus semelhantes focada em meus esforços. De repente, uma impressão alheia, uma frase de sutil desdém: Qualquer um pode ser gênio; basta 1% de inspiração e 99% de transpiração. Pica-se, aqui, a caveira alva de Thomas Edison com alfinetes enferrujados.

Levo as mãos ao rosto, cubro-o, choro. Procedimento padrão, às ocultas, dos últimos dias. Choro, de maneira compulsiva, depois de perceber que meus diamantes atirados na lama para porcos pisotearem são, na verdade, bijuteria; pior, vidro ordinário. Simples, assim, vê-los transformados em cacos, em pó de si mesmos.  Minha impotência é sombreada pelas cores do arco-íris de um mosaico.

Vento, poeira, areia, nuvem, chuva e demais mensageiros efêmeros da natureza colocam à minha disposição um mistério. O sol é muitíssimo claro. O tempo me pede para ter esperanças. Nos ares há sangue. Nos ares há chamas. Nos ares há lama.



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Edson Lopes é poeta, nasceu em Curvelo-MG, mora em Buritizeiro há 16 anos, onde foi professor de Literatura, quando existiu. Atualmente, é professor de Português e autor dos livros Alice no país da mesmice (2000), Historinhas integrais em prosa e verso (2015), além de ter participado das antologias Combustível, Metal e Poema (2011) e Antalogia Poética (2009).


Ilustrações: Vinícius Ribeiro (http://pensamentoilustrado.tumblr.com/)

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