quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

São Paulo se anuncia



Anúncio de São Paulo

Antes da chegada
Afixam nos offices de bordo
Um convite impresso em inglês
Onde se contam maravilhas de minha cidade
Sometimes called the Chicago of South America

Situada num planalto
2 700 pés acima do mar
E distando 79 quilômetros do porto de Santos
Ela é uma glória da América contemporânea
A sua sanidade é perfeita
O clima brando
E se tornou notável
Pela beleza fora do comum
Da sua construção e da sua flora

A Secretaria da Agricultura fornece dados
Para os negócios que aí se queiram realizar

- Oswald de Andrade


Ao embarcar na rodoviária, encontro um conhecido a caminho do mesmo destino que eu. Está indo passear? pergunto. Não, estou indo de vez. Carrega pouca bagagem, no entanto; e, quando observo esse detalhe de sua viagem, ele, feito mago, me responde: o que se deixa para trás fornece mais respostas sobre a partida do que o que se leva nas malas. Um escritor em potencial – não repliquei.

Além de tudo, sorri para mim, quem sabe materializando um bom auspício. Os inícios carecem de boas previsões – outra frase de efeito, desta vez, minha. E você, está indo a passeio? ele devolve a pergunta. Por enquanto sim, respondo. Planeja se mudar pra lá também? Hesito, mas afirmo com a cabeça. E sabe cozinhar? Porque é isso que importa.

Adormeço.

Acordo com alguém próximo informando ao telefone que estamos na Marginal Tietê, próximo à rodoviária. Recoloco os óculos, abro a cortina e observo o espaço lá fora. Ônibus se locomove lento. A senhora a minha frente também observa, mas comenta com a outra ao lado o quanto o trânsito é verdadeiramente caótico, não é só matéria do Brasil Urgente. Passa um ônibus intramunicipal ao nosso lado, abarrotado de pessoas. A senhora não deixa de tecer comentário semelhante, precedido de um olha lá, olha lá, como se, nas savanas africanas, visse um guepardo, ou, se num deserto, visse uma miragem. Gente espremida dentro de ônibus parece ser atração turística em São Paulo.

Atrás de mim, dois homens, um brasileiro e outro colombiano, conversam sobre comércio de pedra sabão. O colombiano possui uma loja que comercializa a pedra. Os dois tratam do assunto como empresários que são, analisam os aspectos financeiros, a receptividade do produto no mercado, o contexto de crise e, no fim, trocam cartões. O brasileiro promete visitar o escritório do colombiano no dia seguinte. Ao que tudo indica, inicia-se atrás de mim uma nova sociedade. Entramos num túnel. A semiescuridão me leva até a comunidade extratora de pedra sabão no interior de Mariana, que conheci há alguns anos. Os moradores não extraíam mais o minério como antes, não havia estrutura e estavam agora muito distantes das minas. Sobreviviam do comércio de areia. A comunidade havia sido realocada devido à construção de uma hidrelétrica. E tudo se perdeu, me disse um dos atingidos. Inclusive a pedra.

A rodoviária é logo ali, outro passageiro anuncia. Agradeço ao trânsito lento por adiar minha chegada. Compreendo o susto na expressão da senhora a minha frente, que, agora calada, apenas observa a cidade. A janela nos mantém seguros, segredo a ela. Enquanto houver janela, não há selva, apenas promessa. Enquanto ainda houver esta caixa que se locomove, haverá Minas, haverá sossego. Não estamos preparados como julgáramos – mas isto guardo para mim. Não ousemos pronunciar nosso medo de desembarque. A rodoviária é logo ali. A senhora fecha os olhos, reza. Também fecho. Apenas não penso.

Você chegou, o conhecido da rodoviária me informa, abro os olhos. O ônibus está parado, a senhora, mais corajosa, desceu primeiro. Só estamos eu e o homem de pouca bagagem, que não adivinha meu medo e sorri novamente, um bom auspício quem sabe. Chegamos – divido com ele a responsabilidade.


***


Douglas de Oliveira Tomaz, nascido em 1993, é autor do blog pessoal www.abrigosdevagabundo.blogspot.com.br, recebeu uma menção honrosa no concurso literário do Clube de Escritores de Ipatinga – MG (Clesi), edição 2013, e possui textos seus publicados pelas Revista Jangada. Em 2015, lançou de modo artesanal seu primeiro livro de poemas: Escorre. Atualmente, reside em Pirapora - Minas Gerais.

Ilustração: Vinícius Ribeiro (http://pensamentoilustrado.tumblr.com/)

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