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de São Paulo
Antes da chegada
Afixam nos offices de bordo
Um convite impresso em inglês
Onde se contam maravilhas de minha
cidade
Sometimes called the Chicago of
South America
Situada num planalto
2 700 pés acima do mar
E distando 79 quilômetros do porto
de Santos
Ela é uma glória da América
contemporânea
A sua sanidade é perfeita
O clima brando
E se tornou notável
Pela beleza fora do comum
Da sua construção e da sua flora
A Secretaria da Agricultura fornece
dados
Para os negócios que aí se queiram
realizar
-
Oswald de Andrade
Ao
embarcar na rodoviária, encontro um conhecido a caminho do mesmo destino que eu.
Está indo passear? pergunto. Não, estou indo de vez. Carrega pouca
bagagem, no entanto; e, quando observo esse detalhe de sua viagem, ele, feito
mago, me responde: o que se deixa para
trás fornece mais respostas sobre a partida do que o que se leva nas malas.
Um escritor em potencial – não repliquei.
Além
de tudo, sorri para mim, quem sabe materializando um bom auspício. Os inícios
carecem de boas previsões – outra frase de efeito, desta vez, minha. E você, está indo a passeio? ele devolve
a pergunta. Por enquanto sim,
respondo. Planeja se mudar pra lá também?
Hesito, mas afirmo com a cabeça. E sabe
cozinhar? Porque é isso que importa.
Adormeço.
Acordo com alguém próximo informando
ao telefone que estamos na Marginal Tietê, próximo à rodoviária. Recoloco os
óculos, abro a cortina e observo o espaço lá fora. Ônibus se locomove lento. A
senhora a minha frente também observa, mas comenta com a outra ao lado o quanto
o trânsito é verdadeiramente caótico, não é só matéria do Brasil Urgente. Passa um ônibus intramunicipal ao nosso lado, abarrotado
de pessoas. A senhora não deixa de tecer comentário semelhante, precedido de um
olha lá, olha lá, como se, nas savanas africanas, visse um guepardo, ou, se
num deserto, visse uma miragem. Gente espremida dentro de ônibus parece ser
atração turística em São Paulo.
Atrás de mim, dois homens, um
brasileiro e outro colombiano, conversam sobre comércio de pedra sabão. O
colombiano possui uma loja que comercializa a pedra. Os dois tratam do assunto
como empresários que são, analisam os aspectos financeiros, a receptividade do
produto no mercado, o contexto de crise e, no fim, trocam cartões. O brasileiro
promete visitar o escritório do colombiano no dia seguinte. Ao que tudo indica,
inicia-se atrás de mim uma nova sociedade. Entramos num túnel. A semiescuridão
me leva até a comunidade extratora de pedra sabão no interior de Mariana, que
conheci há alguns anos. Os moradores não extraíam mais o minério como antes,
não havia estrutura e estavam agora muito distantes das minas. Sobreviviam do
comércio de areia. A comunidade havia sido realocada devido à construção de uma
hidrelétrica. E tudo se perdeu, me
disse um dos atingidos. Inclusive a
pedra.
A rodoviária é logo ali, outro
passageiro anuncia. Agradeço ao trânsito lento por adiar minha chegada.
Compreendo o susto na expressão da senhora a minha frente, que, agora calada,
apenas observa a cidade. A janela nos mantém seguros, segredo a ela. Enquanto
houver janela, não há selva, apenas promessa. Enquanto ainda houver esta caixa
que se locomove, haverá Minas, haverá sossego. Não estamos preparados como
julgáramos – mas isto guardo para mim. Não ousemos pronunciar nosso medo de
desembarque. A rodoviária é logo ali. A senhora fecha os olhos, reza. Também
fecho. Apenas não penso.
Você chegou,
o conhecido da rodoviária me informa, abro os olhos. O ônibus está parado, a
senhora, mais corajosa, desceu primeiro. Só estamos eu e o homem de pouca
bagagem, que não adivinha meu medo e sorri novamente, um bom auspício quem
sabe. Chegamos – divido com ele a
responsabilidade.
***
Douglas
de Oliveira Tomaz, nascido em 1993, é autor do blog pessoal www.abrigosdevagabundo.blogspot.com.br,
recebeu uma menção honrosa no concurso literário do Clube de Escritores de
Ipatinga – MG (Clesi), edição 2013, e possui textos seus publicados pelas Revista Jangada. Em 2015, lançou de modo
artesanal seu primeiro livro de poemas: Escorre.
Atualmente, reside em Pirapora - Minas Gerais.
Ilustração:
Vinícius Ribeiro (http://pensamentoilustrado.tumblr.com/)
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