Os algarismos vermelhos no letreiro do
relógio marcam 00:00.
- Hora de ir pra cama! Digo só por
dizer. Pressinto nunca descobrir qual seja a hora de.
Apalpo o interruptor do lado direito da
cabeceira. Apaga-se a luz.
Duas pupilas arregalam-se no escuro,
tomam conta do meu corpo todo.
Todo eu pupila dilatada, percebo que mergulhar
na escuridão não me fará adormecer.
Será preciso cansar as vistas até o
ponto de doer-me e perder a força de ficar aceso.
Ler, até a exaustão.
A mão percorre a parede, tateia. Encontro
o interruptor de luz e a pressão do dedo muda a luz de cena: tudo é tomado por
um branco absurdo.
Violentado pela claridade, fico
momentaneamente cego e assombrado, vulnerável.
Tento proteger os olhos da luminescência
cerrando as pálpebras, mas também elas são atravessadas.
Pouco a pouco as sombras, os contornos,
as cores.
Depois de adaptado à claridade apanho o
livro e começo a leitura.
Página 6, Prefácio.
...
(Porque há uma página em branco antes da
folha de rosto?)
Meia hora depois ainda estou na página
6.
Desisto de ler.
Confiro as horas na tela do celular,
2:48 A.M.!
A.M.?
Apago a luz.
Não consigo apagar, digo, pegar no sono.
Tento silenciar os pensamentos, mas fico
pensando em como silenciar os pensamentos. Penso em listar coisas pra fazer no
dia seguinte. Penso em fazer uma lista das coisas pra não fazer de novo. Lista
de coisas pra não fazer nunca. Volto a pensar em como não pensar em nada.
Lembro-me das dicas de Osho para a meditação dinâmica. Porque comigo não funciona
meditar parado. Enquanto estou afundado na cama tentando dormir, parado, meu
pensamento sobrepõe camadas de ideias, pensamentos desconexos, lembranças
inventadas. Bordar! Enquanto repasso mentalmente tudo o que não aconteceu no
dia anterior, soa, em pensamento, o refrão “eu preciso aprender a só ser”.
Decido não bordar, porque acho que
atravessaria a madrugada fazendo isso e pela manhã estaria um trapo. Uma das
coisas que passam na minha mente depois que decido abandonar a ideia de bordar
é a ideia de que estou bordando. Mentalmente bordo muitos
pontos na talagarça usando fio de lã de carneiro. Daí, começo a contar
carneiros enquanto bordo, e ouço música, e faço listas e projeto dois ou três
futuros hipotéticos para mim mesmo.
Nada funciona, o sono não vem.
Começo a atentar para o silêncio da
noite. Descubro que não há silêncio.
Lá fora, miados, o corujar de uma
coruja, meu cachorro latindo pra qualquer coisa que passa pela calçada.
Dentro do quarto, a madeira dos móveis
estala enquanto respira, e sons de partículas atravessando a parede não me
deixa concentrar.
Na minha cabeça passaram-se eras.
Amanheceu?! Não, ainda.
3:23, madrugada. Não, manhã. Sei que é
de manhã porque um galo desavisado inaugura o dia. Seu canto é vigoroso como o
soar de uma sirene de emergência.
Outro som ainda mais irritante começa a
tomar conta dos meus pensamentos: um grilo cricrila desesperadamente para
atrair uma fêmea às 3:48. O som é tão estridente que tenho a impressão de que
ele, o grilo, pressente a morte ou o fim da madrugada.
Outro galo se une ao primeiro, e mais
outro em seguida. Descubro, lá pelas 4:53 A.M., que na minha vizinhança há,
pelo menos uma dúzia deles.
Levanto da cama. Vou ao banheiro. Bebo
água. Ouço o barulho do motor de um ônibus do transporte coletivo que leva os operários
da fábrica próximo à minha casa.
São 5:20 da manhã. É inverno. O sol
ainda demora sair nessa estação.
Volto pra cama pensando que não fui o
único que passei a noite toda acordado: os operários no ônibus que seguiu pela
minha rua estão encerrando um turno que começou às 22h.
Deito-me. A cabeça, exaurida de tanta
madrugada, pesa um pouco mais sobre o travesseiro.
Aguardo ansiosamente por um instante que
virá.
Toca o despertador às 6:45. Nunca estive
tão feliz por ouvir o som do alarme que anuncia a obrigação de sair da cama e
encontrar as pessoas nas ruas, despertas.
A insônia é uma das piores formas de estar só.
***
Rafael
Oliveira, natural de Pirapora, é produtor cultural e coordenador do Clube
Literário Tamboril. Com interesse em diferentes formas de expressão artísticas,
se arrisca entre o canto, a performance poética e a escrita.
Ilustração: Vinícius Ribeiro
(http://pensamentoilustrado.tumblr.com/)
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