Ando colecionando frases. Meu
quarto está sujo e tenho dormido num colchão. A cama quebrou à noite, já faz
alguns meses. Não sei qual mistério me impede de montar a outra cama, que me
espera dentro do quarto ainda em suas partes: cabeceira, parafusos, estrado. É
uma cama velha, se pudesse falar, me contaria uma boa história. Me diria uma
boa frase.
Jéssica
está afetada, escreve sobre a morte. Moramos juntos. Falar sobre a morte é uma
das maneiras de se aproximar dela. O assunto mora na casa. Mora na varanda, no
vaso de planta, mora no ralo. Para escrever, é preciso morar no que se escreve.
Jéssica sabe, tem andado calada. Das frases que já recolhi, poucas são sobre a
morte. Dentre as poucas, uma frase dita por Jéssica.
Acabo
de chegar da rua e meus pés estão sujos. A última frase que anotei, Quem vai fazer a limonada hoje?, foi
dita da cozinha de um pequeno restaurante por uma mulher. Da porta, ela olhava
para as mesas vazias, onde se sentavam apenas um homem e duas crianças. Um dos
meninos se animou com a pergunta e começou a pular. O homem, pochete na cintura,
não se moveu. Passei.
Anotei
as últimas frases num recibo de ônibus. Não sei por qual motivo iniciamos
coleções. Me atentei para a frase quando passei a ler as crônicas do Victor
Heringer. Num entulho, encontrei um colchão de casal. Quantas frases cabem num
colchão usado? Passei. Na maioria das vezes, não tomo nota do que penso. Do que
falo me esqueço um segundo depois. Os muros dizem boas frases, mas não são
essas. Tampouco legendas de foto, ou lapidação.
O quarto está
sujo e escrevo. Não sei porque escrevo, ao invés de arrumar o quarto. A casa
estaria mais limpa se eu não escrevesse. Meus pés não estariam sujos. Caminho
com as orelhas.
p.s.: um dia me disseram: sua avó está nos seus pés.
***
Douglas de
Oliveira Tomaz, 23 anos, é autor do blog pessoal www.abrigosdevagabundo.blogspot.com.br,
foi premiado pelo concurso literário do Clube de Escritores de Ipatinga – MG
(Clesi) e possui textos seus publicados pelas revistas Jangada e Conhecimento
Prático - Literatura. Publica regularmente crônicas n’O Salto
(www.osaltobarranqueiro.blogspot.com.br) e mora em Belo
Horizonte, onde escreve seu primeiro livro de contos.
Vinícius Ribeiro, artista. Começou a desenhar desde
a mais tenra idade e nunca mais parou. Atualmente, estuda Artes Visuais na
Universidade Estadual de Montes Claros. Colabora periodicamente como ilustrador
para O Salto, além de ser autor do
blog pessoal Pensamento Ilustrado (http://pensamentoilustrado.tumblr.com/)
Nenhum comentário:
Postar um comentário