O
que eu queria, na verdade, era ir para o mato, para o remoto e, até para a
morte, para esquecer o passado recente. Há um tolo em mim. Ele aguenta, mesmo
que trema de ânsia de abandonar tudo, mesmo agora, sem trema, ele aguenta. A
gente não prevê o futuro. Depois culpa o país, o governo e sua má administração
em desapreço às promessas de campanha. Quando Pandora parece ter trocado sua
caixa de pegadinhas pela bolsa de valores. Tudo bem mal.
Chego
ao mato, sem gato e sem cachorro. Espero melhoras para estes dias doentes.
Sempre fui severinamente forte ante
as piores situações. Porém, dói ver tanta gente no mesmo pau-de-arara. Dói ver
tantas expressões inexpressivas de quem sofre e força alegria, a ignorar a
tempestade que circula em torno de si.
Lembro-me
de quando eu era pequeno. Era assim também. Na época da falta de chuva, eu
costumava ouvir minha avó, meu colo vespertino, a me balançar e cantar uma
canção cristã: Chuva de graça/, Chuva
pedimos, Senhor/, Manda-nos chuva constante/. Chuva do consolador/. Minha
avó, transformadora do abstrato espírito em concreto, já à beira dos seus cem
anos, viciada em mascar o fumo preto que preservava seus pouquíssimos cacos de
dentes apodrecidos, quando não a própria folha verde que secava na chapa
aquentada pelo borralho da fornalha na cozinha. Além disso, o gosto por pimenta-de-macaco na comida, a qual
tinha o mesmo efeito do elixir do Fu
Manchu, lido, relido e sonhado por mim nas revistas do Shang-Chi, o Mestre do
Kung-Fu.
E
a molecada da infância? Valtinho, Serginho, Chapinha, Mr. Satã e outros, além
de mim, rabiscando o sol quando as ruas encascalhadas e cheias de buraco eram a
mais pura enxurrada em qualquer canto onde carvão e pedaços de toá pudessem se transformar em imagem.
Da época das enchentes, memorizo minha mãe rezar para parar de chover: Santa Clara, clareia/, São Domingo,
ilumeia/, Sai, chuva, vem, sol/, Enxugar o meu lençol/!
O
que quero, o que todo mundo quer, faz a graça do sorriso parecer forçado.
Cachaça que não entorpece o pensamento a minar o cérebro. A fuga intensa
intencional dos problemas é só desejo. A ótica de que sem problemas não há
solução é, provavelmente, tão prática quanto morrer de dor de dente ou de uma
dose de cicuta. Quem disse que a maldita crise é oportunidade de crescimento?
Crise na infância, na juventude, na velhice. Crise no palácio, nas casas, nos
barracos da favela, nas fazendas e taperas do sertão. Crise nas indústrias, nos
supermercados, nas mesas do consumidor consumido pelo caos de cada dia.
De
súbito, costumam aparecer um ladrão e outro para nos roubarem, enquanto
buscamos, jamais distraídos, algum remédio ou ao menos um remendo para a
situação. Partido: metáfora do homem que rasgou a bandeira da autocrítica.
Ainda que com tantos pesares, é inegável dizer que a vida, cachorra lesa, ilesa
por milagre do aborto, a vida, primeiro e último suspiro de todos aqui, só não
vale a pena para quem não tem alma nenhuma. Não me subscrevo, mas pago a conta,
em suaves e/ou se incontáveis, as prestações.
***
Edson
Lopes é poeta, nasceu em Curvelo-MG, mora em Buritizeiro há 16 anos, onde foi
professor de Literatura, quando existiu. Atualmente, é professor de Português e
autor dos livros Alice no país da mesmice
(2000), Historinhas integrais em prosa e
verso (2015), além de ter participado das antologias Combustível, Metal e Poema (2011) e Antalogia Poética (2009).
Ilustração: Vinícius
Ribeiro.
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