segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Cartinha de amor



Pão, água e luz deviam ser tudo o que precisamos. Sobreviver não basta. Viver nos leva ao ponto. Você não sorriria de forma tão simplória para mim depois de sangrar meu coração com suas unhas grandes pintadas de vermelho. Eu devia ser o atual e não o nem outro. Uso palavras repetidas. Que palavras nunca são ditas? “Aquela cartinha de amor foi o ponto”, diz-me, de forma irônica, meu amigo Lauro. “Não acho que isso tenha sido o fator preponderante”, retruco. “Pare de falar difícil”, ele. E acrescenta: “Você foi burro e artificial em seu procedimento, para não dizer, falso.” Não me importa mais. Não digo não gostar, mas não ligo tanto para você.

Neste momento, estou sobre um morro de uns vinte e tantos metros, uma altura considerável, leve tentação de mergulho. É um dia atípico. O que rola nos ares pode ser chamado de cerração ou de neblina? De longe será? Do Arraial do Tijuco, devaneio. Estrada de Curvelo até Diamantina. Vejo carros, caminhões, motos, ônibus, bicicletas, pedestres, cachorros, vacas, cavalos, lá, no asfalto. Dos ônibus, em particular, você costumava falar comigo, quando éramos pouco mais que criança. Ria dos meninos da vizinhança, com empolgação, ao ouvi-los dizer que os carros em movimento contrários uns aos outros eram deles. “Corre, Combe! Corre!” “Afunda, Mercedes!” Eu lhe dizia que o ônibus da Gontijo era o mais bonito porque o nome se assemelhava, na escrita, ao de duas pessoas junto: Gontijo + ou – Contigo.

E tocava com polidez em seu rosto com as costas da mão direita para sentir minha mão tremer e seu rosto mudar de cor. “Pássaro Verde! É o ônibus mais bonito. Asas da liberdade + o verde da esperança. Mais. Sem menos.” Você declamava tais frases como se se apossasse de um poema condoreiro de Castro Alves. Agora, eu acusaria sua lógica de démodé, mas teria mais astúcia, ao expressar meus argumentos. Liberdade? Mesmo o mais estulto dos poetas sabe que ela só existe se nos encontrarmos presos a quem amamos. Pior: mesmo não sendo amados. Esperança? Na maioria das vezes ela frustra mesmo os passos que chegam longe e as mãos que quase se apoderam do infinito. Tive tal reflexão, sentado numa pedra grande, à sombra do Ingazeiro. Você já não morava aqui.

“Cartinha de amor? Ah! Ah! Ah! Em pleno fim de Século XX? Voltemos ao ponto.” Lauro se fartava de rir de mim. Eu gostava de ler, mas ainda não me havia aventurado no mundo da escrita. Você sabe. Naquela época em que ficou com cabeça e corpo de mulher madura. A pequena biblioteca da cidade quase todos os dias recebia minha presença. À época, não tinha norteamento literário. Lia mais os livros que Beatriz, a bibliotecária, de óculos, uma pose de intelectual, me indicava. Eu que lia os gêneros Western de meu irmão mais velho, as HQs, que chamávamos de gibis. Ante a iminência de praticamente nada para ler, pegava, escondido, romances açucarados de Sabrina ou de Júlia que minha irmã guardava numa caixa sobre um guarda-roupa. Dos últimos, devo ter adquirido a mania de me apaixonar fácil.

Com você foi diferente? Claro, para conquistar seu universo, eu tinha de dizer assim. “Você devia ter chegado nela, dito na lata. Mulher gosta é de atitude.” Falas de Lauro, aos risos e tragadas de cigarro Arizona e copos de Brahma. Falar é fácil. Escrever, não.

Muito tempo eu ficara fora da escola, estava com uns dezenove anos. Prestes a tirar o Primeiro Grau. Vira que você já estava para tirar o Segundo, um ano mais nova que eu. A gente trabalhava na Fábrica de Tecidos Amália Maria. Na fiação. Seção quente. Com muita poeira e pó de algodão. Fazia muito barulho ali. Eu com vontade de lhe falar. Mas havia o Anselmo. Eu percebia a proximidade de vocês. “Não quero atrapalhar vocês dois”, eu lhe disse um dia depois de esboçar uma declaração.

Numa das muitas vezes em que não tinha nada para ler, achei no meio dos livros de minha irmã um, com o título As Mais Lindas Cartas de Amor. A particularidade desse livro é que todos os textos começam com os advérbios de lugar, datas, plausíveis em toda carta, mais a frase: Meu inesquecível amor... Entre as cartas, vi uma em que o eu lírico se evidencia na figura de um rapaz pobre, que, por sua vez, vê na sua paixão clássica Cinderela na janela, uma menina-moça à espera do amor idealizado (Um príncipe do cavalo branco? Do carro branco? Da motocicleta branca? Da bicicleta branca?)

Anselmo tinha uma bicicleta branca de dez marchas que fazia o maior uau no coração de muitas meninas de Curvelo à época. Agravante: era ciclista de primeira.  “Ah! Ah! Ah!” o Lauro. “Você podia ao menos ter criado a carta, poeta, em vez de ter copiado.” Alguns amigos têm mania de tripudiar de nós. Eu: “A carta era de amor. Ela se prestava ao propósito de conquistar o coração de uma garota.” Lauro: “Ah! Ah! Ah! Cartinha de meu inesquecível amor!” Eu ficava enraivecido. “Você sabe muito bem porque meu artificio deu zebra.” Lauro: “Sim. Ah! Ah! Ah!” Odiava a risada dele de mim. Lauro: “O Vitalício, que seria seu cunhado, me contou que a Zenaide, o nome lembra o de Dulcineia del Toboso, Ze-nai-de, nome infeliz!” Concordo, a dona do nome era mais bonitinha que a namorada do Quixote. “Pois é, o Vitalício me contou que a sua pretendida achou a carta de amor, que você copiou, e enviou a ela, num livro. Acho que, pouco depois de você ter transcrito a carta, sua irmã, que por acaso pôs o olho no livro, falou dele ao objeto de sua paixão. Ze-nai-de pediu o livro As Mais Lindas Cartas de Amor emprestado. Eis porque não deu à mínima para o seu amor.”

Ele estava certo. Você não respondeu e nunca mais falou comigo. Sua resposta ao meu pedido de namoro à sério só veio na forma de um não, quando vi você passar por mim, de mãos dadas ao Anselmo. Quando a vi várias vezes aos beijos e abraços com o Anselmo. Casar, ter dois filhos, uma menina e um menino com o Anselmo. Desde então, tem um bosque que se chama solidão na rua de minha alma.



***



Edson Lopes é poeta, nasceu em Curvelo-MG, mora em Buritizeiro há 16 anos, onde foi professor de Literatura, quando existiu. Atualmente, é professor de Português e autor dos livros Alice no país da mesmice (2000), Historinhas integrais em prosa e verso (2015), além de ter participado das antologias Combustível, Metal e Poema (2011) e Antalogia Poética (2009).


Ilustrações: Vinícius Ribeiro http://pensamentoilustrado.tumblr.com/

quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

São Paulo se anuncia



Anúncio de São Paulo

Antes da chegada
Afixam nos offices de bordo
Um convite impresso em inglês
Onde se contam maravilhas de minha cidade
Sometimes called the Chicago of South America

Situada num planalto
2 700 pés acima do mar
E distando 79 quilômetros do porto de Santos
Ela é uma glória da América contemporânea
A sua sanidade é perfeita
O clima brando
E se tornou notável
Pela beleza fora do comum
Da sua construção e da sua flora

A Secretaria da Agricultura fornece dados
Para os negócios que aí se queiram realizar

- Oswald de Andrade


Ao embarcar na rodoviária, encontro um conhecido a caminho do mesmo destino que eu. Está indo passear? pergunto. Não, estou indo de vez. Carrega pouca bagagem, no entanto; e, quando observo esse detalhe de sua viagem, ele, feito mago, me responde: o que se deixa para trás fornece mais respostas sobre a partida do que o que se leva nas malas. Um escritor em potencial – não repliquei.

Além de tudo, sorri para mim, quem sabe materializando um bom auspício. Os inícios carecem de boas previsões – outra frase de efeito, desta vez, minha. E você, está indo a passeio? ele devolve a pergunta. Por enquanto sim, respondo. Planeja se mudar pra lá também? Hesito, mas afirmo com a cabeça. E sabe cozinhar? Porque é isso que importa.

Adormeço.

Acordo com alguém próximo informando ao telefone que estamos na Marginal Tietê, próximo à rodoviária. Recoloco os óculos, abro a cortina e observo o espaço lá fora. Ônibus se locomove lento. A senhora a minha frente também observa, mas comenta com a outra ao lado o quanto o trânsito é verdadeiramente caótico, não é só matéria do Brasil Urgente. Passa um ônibus intramunicipal ao nosso lado, abarrotado de pessoas. A senhora não deixa de tecer comentário semelhante, precedido de um olha lá, olha lá, como se, nas savanas africanas, visse um guepardo, ou, se num deserto, visse uma miragem. Gente espremida dentro de ônibus parece ser atração turística em São Paulo.

Atrás de mim, dois homens, um brasileiro e outro colombiano, conversam sobre comércio de pedra sabão. O colombiano possui uma loja que comercializa a pedra. Os dois tratam do assunto como empresários que são, analisam os aspectos financeiros, a receptividade do produto no mercado, o contexto de crise e, no fim, trocam cartões. O brasileiro promete visitar o escritório do colombiano no dia seguinte. Ao que tudo indica, inicia-se atrás de mim uma nova sociedade. Entramos num túnel. A semiescuridão me leva até a comunidade extratora de pedra sabão no interior de Mariana, que conheci há alguns anos. Os moradores não extraíam mais o minério como antes, não havia estrutura e estavam agora muito distantes das minas. Sobreviviam do comércio de areia. A comunidade havia sido realocada devido à construção de uma hidrelétrica. E tudo se perdeu, me disse um dos atingidos. Inclusive a pedra.

A rodoviária é logo ali, outro passageiro anuncia. Agradeço ao trânsito lento por adiar minha chegada. Compreendo o susto na expressão da senhora a minha frente, que, agora calada, apenas observa a cidade. A janela nos mantém seguros, segredo a ela. Enquanto houver janela, não há selva, apenas promessa. Enquanto ainda houver esta caixa que se locomove, haverá Minas, haverá sossego. Não estamos preparados como julgáramos – mas isto guardo para mim. Não ousemos pronunciar nosso medo de desembarque. A rodoviária é logo ali. A senhora fecha os olhos, reza. Também fecho. Apenas não penso.

Você chegou, o conhecido da rodoviária me informa, abro os olhos. O ônibus está parado, a senhora, mais corajosa, desceu primeiro. Só estamos eu e o homem de pouca bagagem, que não adivinha meu medo e sorri novamente, um bom auspício quem sabe. Chegamos – divido com ele a responsabilidade.


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Douglas de Oliveira Tomaz, nascido em 1993, é autor do blog pessoal www.abrigosdevagabundo.blogspot.com.br, recebeu uma menção honrosa no concurso literário do Clube de Escritores de Ipatinga – MG (Clesi), edição 2013, e possui textos seus publicados pelas Revista Jangada. Em 2015, lançou de modo artesanal seu primeiro livro de poemas: Escorre. Atualmente, reside em Pirapora - Minas Gerais.

Ilustração: Vinícius Ribeiro (http://pensamentoilustrado.tumblr.com/)

sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

A barranqueira


Do rio que não é mais tão bonito, entretanto, ficam as falas do Paturi. Não sei onde ele arranjou esse apelido. Alguns dizem que foi em rodas de truco, que nelas perdeu tudo; e não pelo fato de viver mergulhado no Velho Chico, como a maioria imagina. “É dia e noite, é noite e dia.” Vaticinam. Às vezes o encontro à beira de um barranco. Gosto de pescar com varinha de bambu japonês. “Então, professor, pegou os mandis?” Tem hora que começa a desabafar, enche-se de histórias de uma Pirapora de tempos áureos. Corta a manhã, a tarde, até a Hora do Anjo, quando me impaciento com os maruins e me preparo para a volta para casa. “Aí, onde c. pesca, só tem piaba, mas já peguei surubim maior que homem mais grande e forte do que eu aí.”

Percebo alguns erros gramaticais na fala de Paturi. Surpreendo-me a gostar de ouvi-los. “É mesmo?” Eu me dirijo a ele com no máximo duas palavras. “Se não tivesse sido cabeça fraca, hoje, seria rico.” Baixa a cabeça e fecha os olhos castanhos avermelhados, arregalados, lacrimejantes. Não passa então de um garoto envergonhado, arrependido de uma arte: “Gastei tudo com baralho e mulher da zona. Uma vez peguei chato e gonorreia. Quase morro. Não procurei o médico e tentava matar os chato com Neocid e curar a gonorreia tomando garrafadas de pinga com raiz e Tetrex.”

Aí fala das casas noturnas, dos bares e quiosques, da paisagem de cidade antiga da época em que o trem não desistia de seu vir e ir e ir e vir. E ele vendo-o passar, cheio de gentes de vários cantos. Algumas afortunadas, provavelmente em vagões à parte, com certo luxo, outras azarentas, febrilmente amareladas, para emendar, num sentido cruelmente literal, personagens de Maleita, do Lúcio Cardoso. Gentes vivas. Gentes sobreviventes. Gentes que eram tiradas do trem antes de chegarem ao seu destino porque a vigilância sanitária previa sua morte, temia o contágio dos demais passageiros. Gentes desenganadas por engano aqui ficaram, deram ao Norte de Minas uma nova identidade perceptível no sotaque com mescla de Minas e Nordeste. Pinheiros em luta contra os desníveis dos barrancos. Nem tudo é dourado como o enorme e belo peixe não mais lugar-comum do Velho Chico.

“Hoje, tem bem mais pouca água.” Paturi se cala. O sol parece querer possuir de corpo e alma o chão, penetrá-lo, como fazem os pingos de chuva, a chuva que a gente espera quase a ponto de desespero. Minha alma se esvazia como o rio em que o ribeirinho deposita seus sonhos, o espaço se acinzenta. “Amanhã é dia de feira, Paturi, seu mergulhão em pinga. Fim de semana eu volto aqui para molhar as minhocas e prosearemos mais.”

A falta de água faz a gente atuar nos lares como em tempo de criança, quem sabe ao tempo que Paturi se refere com nostalgia. Encher vasilhames de água, tomar banho de balde. Eu reclamo do fornecedor de água, a mulher reclama do fornecedor de água, minha filha reclama do fornecedor de água. A cidade e todo o planeta devem reclamar do fornecedor de água. É quando banheiro para nada serve, toalete para nada serve. Espio a pia e o vaso. Penso que em meu tempo de criança palavras como banheiro e/ou toalete eram raras ao meu vocabulário. Época de privadas, construções de lajes com que são feitos os muros, no chão não havia vaso, mas um buraco, uma fossa para despejar os dejetos. Era muito incômodo não ter um vaso, ficar de cócoras para defecar.

Há mandis demais e prefiro não quebrar os seus esporões. Um deles, que vou destripar, me estrepa. Dói. Arde o ponto do dedo de onde um fio de sangue começa a brotar. O dedo incha. Arranco o olho do peixe e esfrego-o sobre o inchaço. Simpatia de pescador. O mandi produz um ruído baixo e estranho, se submetido a determinado estresse, no entanto, não consigo perceber dor na sua expressão, mesmo enquanto se debate e sangra. Pouca terminação nervosa: explica a Ciência. O olhar estúpido de em vida é o mesmo pós-morte.

Termino de tratar os peixes. Os moradores de Pirapora chamam os pequenos talhos que faço dos lados dos mandis, para temperá-los melhor, de ticar. “Retado! Peixe! Peixe! Peixe! Peixe! Nesta casa só se come peixe, oxe!” Não sei o porquê da aversão ao cheiro de peixe de minha mulher. “Papai! Há anus na horta! Parecem estar bicando os pés de couve!” Mariana grita, quando entro no banheiro e me molho, lentamente, com um copo de plástico, da água de um balde preto. “Pega manga aí no chão do quintal e joga neles só para espantar, filha!” Já é quase noite e faz um calor absurdo.


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Edson Lopes é poeta, nasceu em Curvelo-MG, mora em Buritizeiro há 16 anos, onde foi professor de Literatura, quando existiu. Atualmente, é professor de Português e autor dos livros Alice no país da mesmice (2000), Historinhas integrais em prosa e verso (2015), além de ter participado das antologias Combustível, Metal e Poema (2011) e Antalogia Poética (2009).


Ilustrações: Vinícius Ribeiro.

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Pichilingas


O cão abre alas do mundo quando vê a enorme escavadeira passar na rua, um automóvel realmente além de barulhento. Há uma fresta quase no alto do muro por onde o animal aprendeu a saltar. Preciso consertá-la, mas ando desanimado demais. Prefiro me perder em inércia e pensamentos vãos. Para justificar o meu ócio, escrevo. Em prosa. Ando meio avesso aos versos. Há poucos dias, dei uma injeção contra carrapatos em Teimoso. O nome dele. Do cão. Ele não tem muito estilo de brabo, só que faz muito barulho ao aproximar de alguém em quem nunca pôs os olhos. Acho que seria capaz de morder um desavisado. Devia entender: ao pular o muro, cairá em terreno cheio de mato e de carrapato. Muitos carrapatos.

Por esses dias, Teimoso tentou o tempo todo cruzar com a cadela, a pequena Lili. Mas, por mais que tente, seu pênis não chega à vagina da cachorrinha. Ele a perturba com tamanha insistência, sem conseguir cruzar. Ela se estressa e o agride. Ontem, no quintal, achei umas penas verdes. Eram de uma maritaca. Muitas penas. E sangue. Deu-me pena. Teimoso ou Lili devem tê-la pego. Às vezes capturam e comem algum passarinho. Sinto-me entediado o bastante para achar que escrever não é tão essencial, pelo menos por enquanto. Queria um cigarro, mas não fumo há bem tempo. Razões para não recomeçar não faltam. Saudade nenhuma de quando tive tuberculose. Queria beber. Mais tarde, talvez.

Confiro uma mensagem no celular. É de Vanessa. Diz que virá aqui. Saio e a espero, debaixo da árvore, na porta de casa. E vem, de fato. Empresto-lhe O Pêndulo de Foucault, do Umberto Eco, e, já aviso que, às vezes, o livro é monótono, de uma temática complicada. Ela diz que o intelecto precisa ser exercitado, mesmo se forçá-lo liberar um bocejo e outro. Vanessa lê tantos livros! Exageradamente! Para quê ler tantos livros? Ela ainda mora na H. E., naquela casa onde também morei. Traz, para mim, algumas goiabas com polpa vermelha. Adoro! Traz ainda as mesmas reclamações que eu fazia da proprietária, dona Clemência, senhora que beirava seus 80 e poucos anos de vivência, a qual sempre me pedia para fazer reparos na casa, porém se recusava a que eu fizesse descontos do valor gasto por mim no aluguel.

Vanessa tem uma voz doce, terna, rumor manso de rio, diria algum poeta. Rio por dentro de ela falar dos pardais, tentando impostar raiva na voz. “Não consigo captar nenhuma nota de raiva em sua voz.” Se eu fosse cego, ficaria apaixonado, não que Vanessa não me atraia aparentemente; quem sabe enxergasse o amor na escuridão ou ficasse no mínimo quedo sentimentalmente. “Cantam de manhã, bem cedo, à tarde, à noite. Aliás, dizer que cantam é um eufemismo. Grasnam, timidamente.” Ela diz. “Li em algum livro de História que eles vieram com os portugueses, em galeras, em 1922.” Opino. Mania de tentar fazer mágica intelectual e tirar algum conhecimento da cachola na tentativa de impressionar. Ela ri. Um riso bastante gostoso. Os óculos pequenos tentam em vão delimitar os olhos grandes e profundos na face mulata, uma boca repleta de carne, cheia de dentes bastante brancos. Tem um corpo quase perfeito que, sem ser totalmente perfeito, é adorável.

“Além do idioma, grande contribuição. Coçam pra caramba!” O comentário dela remonta à época em que pichilingas me proporcionaram uma alergia e me encheram de bolhas vermelhas, pensei que fosse herpes, enquanto minha namorada, Márcia, naquele entretanto, pedia-me um tempo, prognosticava-me cirrose. “Moço, moço, você morre e a cachaça fica aí.”

Vanessa só fala praticamente da mesma coisa. De livros e de seus autores preferidos. Mas de livros em prosa. Diz que poesia é chata e exige pouco esforço de quem as produz. Não retruco, apesar da vontade. Penso que as mulheres adoram discutir e a melhor forma de fazê-las felizes é deixar que deem a última palavra.

Visualizo mentalmente a casa H. E., quando Vanessa se vai. Não gostava de lá. Pouco espaço. Paredes de um amarelo esmaecido. Canos a vazar. Frestas em todo canto. Janelas de madeira, com travas. A mínima possibilidade de cultivar plantas, um de meus hobbies. De dona Clemência ouvi dizerem que anda doente e infeliz, depois que o cão vigia de seu quintal morreu ao comer um rato moribundo envenenado. Casa velha tem dessas coisas. O buraco, no muro prestes a cair, onde, Feroz, era assim que ela chamava o cão, enfiava as patas fortes ou o focinho e, de lá, tirava qualquer bicho, incauto, que entrasse, estraçalhando-o com sua mordida fatal.

Olho Vanessa se afastar. Gosto de seu jeito de caminhar, balançando os quadris. Penso na Garota de Ipanema e não há som in off, mas viajo no tom clássico do Jobim. Adentro meu exílio. “Areia demais para meu caminhãozinho!” Digo a mim mesmo, depois de olhadela derradeira pela fresta do muro, por onde meu cão costuma pular. O sol da tarde castiga.


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Edson Lopes é poeta, nasceu em Curvelo-MG, mora em Buritizeiro há 16 anos, onde foi professor de Literatura, quando existiu. Atualmente, é professor de Português e autor dos livros Alice no país da mesmice (2000), Historinhas integrais em prosa e verso (2015), além de ter participado das antologias Combustível, Metal e Poema (2011) e Antalogia Poética (2009).


Ilustração: Vinícius Ribeiro.

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Chão


O filho mais velho voltou para casa, mãe já não estava. Os filhos mais novos cuidavam de tudo: limpavam, cozinhavam, criavam o rumo do resto. O filho mais velho entrou pela casa com olhos assustados – susto inadmitido –, olhos assustados de quem entra num lugar novo, onde nunca tinha pisado. Parecia criança em loja de brinquedo, mas triste. Os filhos mais novos trataram-no com naturalidade, era o combinado tácito, sem acordo verbal ou escrito. Todos entendiam que ele, distante desde que não havia mais mãe, carecia deste novo pisar na velha casa: todos agora precisam reconhecer-se.  

Caetano cantava que amanhã será um lindo dia da mais louca alegria, Caetano cantava e os filhos mais novos faziam comida, enquanto o filho mais velho percebia que os móveis já não estavam no mesmo lugar, paredes estavam pintadas de outra cor, o cheiro da comida mudara e havia flores espalhadas pela casa, como nunca houve. Só o azulejo do chão continuava o mesmo, e o chão, permanente como a dor que não passa, era o grande deus que anunciava a mudança: embora tudo se modifique, pise. Pisar é uma necessidade.

Os filhos mais novos, enquanto cozinhavam e conversavam banalidades para disfarçar o susto do outro, observavam o filho mais velho e lembravam-se – todos ao mesmo tempo, mesmo sem saber, família que eram – lembravam-se do momento em que pisaram os seus pés, pela primeira vez após tudo, naquela casa de ontem. Todos se doíam, porque lembrança de morte dói, mas era preciso manter firmeza: a hora era de o filho mais velho chegar, ninguém mais.

Ele andava pela casa, fingindo que já a conhecia, afinal vivera por ali todos aqueles anos e nada mudara, nada mudara – chão gritava. Perguntou dos outros filhos, os do meio, onde estava Cícero? desfez casamento; e compadre João Neto? está construindo; e Bia? agora arranjou emprego em dois turnos. O agora era uma presença que o torturava. Mas fingia estar bem, caminhava pela casa.

Até que, na sala, um pedaço quebrado do azulejo jogou-o no chão. Os filhos mais novos, na cozinha, não viram: distraíam-se com a cebola, o refogado e a saudade. O filho mais velho não se levantou da queda, manteve sua cabeça baixa, as mãos tocando o chão que, enfim descobrira, apesar de igual, já não era o mesmo, como as paredes, a disposição dos móveis e tudo. A casa mudara. O homem caído preparou na face o choro, que não era dor de tropeço. Insistente, Caetano dizia que amanhã será um lindo dia e o filho mais velho, deixando cair lágrima seca, completava a letra da música, sem melodia, sem graça, ilustrando com seu corpo, na posição em que se prostrava, o reverso, a força contrária à felicidade que há: hoje não, hoje não será.


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Douglas de Oliveira Tomaz, nascido em 1993, é autor do blog pessoal www.abrigosdevagabundo.blogspot.com.br, recebeu uma menção honrosa no concurso literário do Clube de Escritores de Ipatinga – MG (Clesi), edição 2013, e possui textos seus publicados pela Revista Jangada. Em 2015, lançou de modo artesanal seu primeiro livro de poemas: Escorre. Atualmente, reside em Pirapora - Minas Gerais.


Ilustração: Vinícius Ribeiro. 

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Frankenstein


Não que tenha estudado muito. Uma olhada ali, outra acolá, em textos mais literários que em técnicos. Se houvesse doenças chamadas didaticofobia ou estruturofobia, se seus sintomas, persistindo, pudessem levar o enfermo à morte, eu já teria dito alguma frase de efeito a quem é par ou ímpar para mim. Certamente, usaria uma frase de efeito. Já ouvi que é muito “clean”. Achei lindo, e, para compensar quem falou, dei-lhe um sorriso, como se tivesse entendido. Eureca! Eu diria: Goodbye forever, friends of my heart! Que se exalasse meu último suspiro! Eu descansaria eternamente num berço de pleonasmo esplêndido. Não digo que tenha estudado muito. Mas foi um domingo inteiro jogado a algo muito pior que as traças convencionais dos meus fins de semana solucionar aquela prova. Alguns meses se passaram. Passei. Alguns candidatos, aos poucos, foram nomeados. Demorou, mas fui nomeado também. Meus colegas me felicitaram, sorridentes: “Parabéns! Seu nome foi publicado!”

Entre as várias coisas às quais sou avesso mora a necessidade de ir a hospital, de me defrontar com médico(a). Mais uma fobia: a de ficar doente. Na minha profissão, penso, devia ser proibido adoecer. Parodio, neste instante, algo do póstumo memorável Drummond acerca das mães: Fosse eu rei do mundo, baixava uma lei: Professor não adoece nunca! Empurrar com a barriga e uma dor de estômago considerada ocasionalmente leve vira uma úlcera. Uma tosse renitente seguida de inocentes insólitos escarros rubros despercebidos levam um infeliz ao estágio de pneumotórax.

Abomino ter de jogar fora os parabéns que me são dados por alguma vitória. No meio docente o eco de uma frase repercute no cérebro de qualquer humano que usa apenas dez por cento de sua cabeça animal. 1.1.: louros! 1.1.: orgulho! 1.3.: desdém! “A prova fora tão fácil! Não sei como tão poucos candidatos conseguem passar. Eta povo burro!” Falas de meu amigo, o Moura.

Faz um bom tempo que para candidatos a cargos de professores aprovados em concursos, nomeados, possam tomar posse dos devidos, pedem-se exames de urina, sangue, pulmão, coração e, principalmente, de garganta. Em seguida, a perícia. Não queria usar este verbo no pretérito imperfeito, mesmo sendo o texto aqui uma pretensa crônica. O nome crônica fora do contexto de gênero literário me lembra um sinônimo de grande expressão ao que eu sentia então, mais de alma que de corpo: doença incurável! Et voila: era mês de julho, quase fim de recesso. Eu terminava alguns exames e era considerado apto em todos por alguns médicos. De urina, de sangue, de pulmão, de pressão. Restou-me fazer o de garganta.

Fazia frio. Eu me sentia cansado. O dia anterior fora difícil. Eu havia falado muito alto, em sala de aula, para tentar fazer alguns conceitos gramaticais, morfossintáticos, pelo menos parecerem chegar aos alunos do turno da tarde. À noite, no cursinho pré-vestibular, uma voz alta costuma ser imprescindível. Seguinte: pulo a recepção, a ficha, sento-me na cadeira do consultório do doutor. “Bom dia.” Pigarreio. Ele me olha atravessado, coloca uns óculos de lentes muito, muito claras. Lê minha ficha. “Você acha que sua garganta não tem nenhum problema, professor?” Desde aí, tive a impressão de que o otorrinolaringologista trabalhava árduo para provar que os profissionais de educação aprovados em concurso são roucos.

O doutor me pediu que segurasse a carteira de identidade apertada contra o peito com as duas mãos, faltou pedir para que eu sorrisse por estar sendo filmado. Eu estava mesmo, conferi-o, ao olhar minha face patética no televisor. Quando ele colocou uma luva e começou a me pedir para dizer repetidamente algumas vogais, em tons, ora graves, ora agudos, vogais de sons, ora abertos, ora fechados, senti parte da privacidade de meu corpo invadida totalmente – o céu ou inferno de minha boca. “É, professor, a coisa está feia.” E pelo vídeo me mostrou uma fenda em minha garganta semelhante a, como todas as gargantas, a uma vagina. Minha garganta, entretanto, sem o abre-fecha, fecha-abre, um fato comum à maioria das gargantas.

Ouvi como eu proferira pessimamente as vogais. Porém, o que mais me impressionava era o ar de júbilo do médico que parecia ter transformado um preconceito em conceito. Minha expressão inicialmente patética no vídeo pareceu dobrar de intensidade com a decepção e esforço de segurar a identidade apertada contra o peito a vocalizar com a língua presa. “A! I! E!” Parecia um meliante recentemente iniciado no crime sendo fichado, incapaz de responder a um interrogatório. O doutor escreveu algumas frases que não consegui ler em um pedaço de papel, e, pelas suas falas me considerei inapto. Fiquei triste e pensei em desistir da fatídica posse. Mas meus bons colegas de profissão me aconselharam a procurar outro otorrinolaringologista para fazer o mesmo exame.

Outro consultório particular, a segunda reprovação da garganta fendida. Ao menos, de tal vez, uma médica não me deu a carteira de identidade para segurar contra o peito e não me senti com pose de presidiário. Complemento: não queria admitir por ter ela me reprovado, mas foi muito educada no exercício de sua função. Culminância da ideia: convencido por amigos, colegas de trabalho, pessoas que torcem pelo meu bem-estar físico, social, espiritual, cultural, etc, fui ao SEPLAG, em Montes Claros – MG, para a inspeção médica final.

Esclareço que eu andava muito deprimido, cansado, tristonho. Lembranças das aulas de Latim de meu finado professor Paulo Afonso: “Um homem sem anima, um homem des-anima-do, um homem sem alma, um saco de batatas.” Talvez seja a explicação de eu ter sentido um olhar de menosprezo dos profissionais de medicina ali sobre mim. Reflexão inerente, digamos sem importância, digamos desdenhosa em meu pensamento: “Médicos e advogados nem tanto estudam para serem chamados de doutores.” Eles não têm mais o status social de algum tempo, é o que atualmente se comenta. Acho que as pessoas criam determinado biótipo (confundo com preconceito) para determinadas profissões, algumas parecem adorar sentir em posição inferior outras às quais julgam superar. Um dia, o poeta piauiense, José Renato, após eu lhe dizer que, certa poeta me dissera que eu tinha cara de poeta, ele retrucou, entredentes: “Ela te disse isso para fazer fita. Alguém deve ter falado isso a ela. Reprodução de um discurso que a agradou. Fazer uma média. Por falar em média, pensei em dose. E, para mim, você não tem cara de poeta. Tem cara de tomador de birita.”

Naquele momento, qualquer exame que eu fosse fazer a voz enrouqueceria diante dos sujeitos e sujeitas de vestimenta branca, por mais que tentasse a prosa do própolis. Não adiantaram as cinco dúzias de maçãs comidas nos dias anteriores à perícia. Nem as quatro maçãs comidas escondido no banheiro antes do exame. Eu tomara trauma de expor minha garganta a médicos. Quando a fonoaudióloga perguntou no corredor pelo meu nome, levantei e me senti reprovado pelo seu olhar. A voz emitida com fones de ouvidos ligados ao computador parece repleta de vibrações defeituosas sob o olhar da médica que, ei de convir, apesar do ar de desdém, é bem atraente.

Depois, teve um exame psicológico, umas perguntas – pegadinhas – cheias de contradição, às quais tive de responder no computador. Ao fim, fui reprovado mais uma vez por um médico, o qual me fez montanhas de perguntas, sobre mim e minha família, perguntas sobre as quais não consegui mentir como me haviam aconselhado a fazer os candidatos aos cargos de professor com quem eu conversara. O doutor fez em mim alguns exames. Por fazer. A última do rol de perguntas inúteis, feitas pelo médico que, penso, as fizera por protocolo e já me reprovara no momento em que pisei no seu consultório foi: “Você é bravo a ponto de se revoltar violentamente, quando lhe dão alguma notícia ruim?” A meu mentiroso meneio de cabeça, entregou um certificado de INAPTO que destacou de uma folha.

À custo me contive para não agredi-lo verbalmente e fisicamente pela brincadeira de mau-gosto de criar um abjeto momento de expectativa para o meu coração que ali se sentia demais saturado. Como foi desoladora a volta de Montes Claros a Buritizeiro. A frase: INAPTO! INAPTO! INAPTO! feito ritornelo de um poema macabro na cabeça a explodir. Entrei com um recurso. Recebi a resposta ao supracitado uns dois meses depois de enviado. O cruel adjetivo INAPTO! Pedi aconselhamento ao setor jurídico do Sindicato dos Professores do Estado, mas os procedimentos que fui orientado a buscar para a possibilidade de êxito me desanimaram. Trabalhos de Hércules. Fora o trauma passado a sentir por médicos. Gostaria de nunca mais ver um só em minha frente. Preciso de forças para trabalhar, aposentar, pagar minha cova rasa, com esta garganta fendida. No mais: paz e bem, bem ou mal!


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Edson Lopes é poeta, nasceu em Curvelo-MG, mora em Buritizeiro há 16 anos, onde foi professor de Literatura, quando existiu. Atualmente, é professor de Português e autor dos livros Alice no país da mesmice (2000), Historinhas integrais em prosa e verso (2015), além de ter participado das antologias Combustível, Metal e Poema (2011) e Antalogia Poética (2009).


Ilustrações: Vinícius Ribeiro.

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Feliz ano novo, ou o ano em que fomos todos paridos


“Estamos em 2015”, diz um político na internet. Ele quis dizer, com essa célebre asserção, que precisamos evoluir de alguma forma. Não acompanhei a discussão, mas na certa se referia a algo relacionado a gênero, violência, ou legalização do aborto. Poderia ser também ao contrário, e o cara só quisesse dizer que estar em 2015 é um ano auspicioso para prender jovens delinquentes. Melhor que isso, ele poderia apenas estar fazendo uma referência à seca, lembrou-se de 1915, lembrou-se do quinze e, 100 anos depois da maior seca já documentada, acometeu-lhe o fato de que estaríamos envoltos do mesmo ciclo. Político ligado em consciência ecológica talvez, em gênero e essas coisas que se passam em 2015, coisa rara hoje em dia.

Há uma crença no imaginário esotérico de que anos ímpares são os anos de maior prosperidade e essa lengalenga toda que acompanha o sentido de ser próspero. É como se se esperasse um ano de desastres e outro de bonança, uma alternância que seria bem justa no final das contas. Daria pra respirar em meio à desgraça se depois de 365 dias tudo fosse ouro no final do arco-íris, e o único problema que nos acometesse fossem os anões guardiões do ouro que tentamos a todo custo, em bró de fantasia, levar pra casa.

A Globo fará uma retrospectiva emocionante no final do ano, promete suor e lágrimas aos telespectadores na hora de acompanhar as notícias mais importantes. Com certeza veremos novamente os naufrágios, crianças mortas, conflitos, congresso em chamas, campanhas, fogo, fogo, fogo, fogo (alguém descuidou do cigarro aceso), e em meio ao incêndio alguma figura que se destacou no ano, por bondade ou honestidade, tão defendidas pelos éticos padrões sociais. Aposto que só veremos o mais importante; não vai ter nêgo barrado em ônibus não, as praias da zona Sul continuaram bem habitadas. Todos os lados sul do país continuarão com sua morosa paz ano que vem e a Cantareira se encherá de água novamente, Deus queira.

Pensemos nos anos que passaram, e coloquemos em pauta questões de suma importância, questões que definam o sujeito que você foi e que você é hoje em dia, no tumultuado ano de 2015. Por exemplo, pedi no café da manhã, desses quase 365 dias, entre essas lanchonetes e padarias encardidas, um grande número de pães de queijo e café. Isso demonstra que mantive um padrão durante o ano, não oscilei no cardápio, aliás, nem mesmo quis experimentar outra coisa pela manhã. Mas ano que vem será diferente, ah, com certeza, totalmente diferente.

– Extra, extra! Parem as máquinas, revejam as notícias do dia! Aqui pro norte, 2016 ainda será um ano de naufrágios, é o que diz os tabloides regionais, a crítica especializada do pessimismo.  Talvez o sertão vire mar nas palavras de algum cantador daqui, mas por enquanto...

Não esperemos nada diferente, mas vamos manter o ritual da mudança, ok? Ah, não sabem como fazê-lo? É fácil, vem aqui que eu lhe ensino. Olha, para ter dinheiro, vista uma roupa íntima na cor amarela e guarde uma nota na carteira durante o ano todo, certo? Tá... eu sei que estamos em crise e blá blá, mas cê quer ter prosperidade ou não?

Segundo passo, coma sete sementes de uva na passagem do ano. Eu não sei bem pra que serve isso, mas dizem que funciona, e não se esqueça de pular as ondas, hein? Se não houver mar, apenas tente não se afogar de outras formas. Por último, mas não menos importante, diga em alto e bom tom: “ano que vem será o meu ano, tudo novo, tudo diferente.”.

Agora, depois dos rituais, se vigie e ore pra não passar o primeiro de janeiro lambendo o prato de comida requentada do dia 31 de dezembro. Quanto a mim, cuidarei para ao menos não comer tanto pão de queijo.


P.S.: devo dizer que em 2015 tropecei à beça, vou cuidar pra manter o equilíbrio no ano que se segue.

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Brenda K. Souza, estudante de letras, 23 anos, natural de Buritizeiro-MG, sem casa no momento. Está, atualmente, associada do clube nacional do otimismo. Escreve quando não pode, e é quando não deve, isso para omitir detalhes.

Ilustração: Vinicius Ribeiro. 

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Caos-base


O que eu queria, na verdade, era ir para o mato, para o remoto e, até para a morte, para esquecer o passado recente. Há um tolo em mim. Ele aguenta, mesmo que trema de ânsia de abandonar tudo, mesmo agora, sem trema, ele aguenta. A gente não prevê o futuro. Depois culpa o país, o governo e sua má administração em desapreço às promessas de campanha. Quando Pandora parece ter trocado sua caixa de pegadinhas pela bolsa de valores. Tudo bem mal.

Chego ao mato, sem gato e sem cachorro. Espero melhoras para estes dias doentes. Sempre fui severinamente forte ante as piores situações. Porém, dói ver tanta gente no mesmo pau-de-arara. Dói ver tantas expressões inexpressivas de quem sofre e força alegria, a ignorar a tempestade que circula em torno de si.

Lembro-me de quando eu era pequeno. Era assim também. Na época da falta de chuva, eu costumava ouvir minha avó, meu colo vespertino, a me balançar e cantar uma canção cristã: Chuva de graça/, Chuva pedimos, Senhor/, Manda-nos chuva constante/. Chuva do consolador/. Minha avó, transformadora do abstrato espírito em concreto, já à beira dos seus cem anos, viciada em mascar o fumo preto que preservava seus pouquíssimos cacos de dentes apodrecidos, quando não a própria folha verde que secava na chapa aquentada pelo borralho da fornalha na cozinha. Além disso, o gosto por pimenta-de-macaco na comida, a qual tinha o mesmo efeito do elixir do Fu Manchu, lido, relido e sonhado por mim nas revistas do Shang-Chi, o Mestre do Kung-Fu.

E a molecada da infância? Valtinho, Serginho, Chapinha, Mr. Satã e outros, além de mim, rabiscando o sol quando as ruas encascalhadas e cheias de buraco eram a mais pura enxurrada em qualquer canto onde carvão e pedaços de toá pudessem se transformar em imagem. Da época das enchentes, memorizo minha mãe rezar para parar de chover: Santa Clara, clareia/, São Domingo, ilumeia/, Sai, chuva, vem, sol/, Enxugar o meu lençol/!

O que quero, o que todo mundo quer, faz a graça do sorriso parecer forçado. Cachaça que não entorpece o pensamento a minar o cérebro. A fuga intensa intencional dos problemas é só desejo. A ótica de que sem problemas não há solução é, provavelmente, tão prática quanto morrer de dor de dente ou de uma dose de cicuta. Quem disse que a maldita crise é oportunidade de crescimento? Crise na infância, na juventude, na velhice. Crise no palácio, nas casas, nos barracos da favela, nas fazendas e taperas do sertão. Crise nas indústrias, nos supermercados, nas mesas do consumidor consumido pelo caos de cada dia.

De súbito, costumam aparecer um ladrão e outro para nos roubarem, enquanto buscamos, jamais distraídos, algum remédio ou ao menos um remendo para a situação. Partido: metáfora do homem que rasgou a bandeira da autocrítica. Ainda que com tantos pesares, é inegável dizer que a vida, cachorra lesa, ilesa por milagre do aborto, a vida, primeiro e último suspiro de todos aqui, só não vale a pena para quem não tem alma nenhuma. Não me subscrevo, mas pago a conta, em suaves e/ou se incontáveis, as prestações.

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Edson Lopes é poeta, nasceu em Curvelo-MG, mora em Buritizeiro há 16 anos, onde foi professor de Literatura, quando existiu. Atualmente, é professor de Português e autor dos livros Alice no país da mesmice (2000), Historinhas integrais em prosa e verso (2015), além de ter participado das antologias Combustível, Metal e Poema (2011) e Antalogia Poética (2009).


Ilustração: Vinícius Ribeiro.

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Motivo


Você se lembra de quando fui ao curso de iniciação teatral pela segunda vez? Da primeira, você não estava, por isso não achei muita graça. Senti-me um estúpido, no momento em que a professora testava meu grau de timidez, em exercícios de liberação, enquanto eu procurava negar o óbvio com atitudes, falas embargadas, cacoetes, que ao contrário de me defenderem, denunciavam o garoto avermelhado e minha incapacidade de olhar bem em olhos alheios.

Certo  momento da segunda aula, foram tirados alguns livros de poemas da estante da biblioteca do lugar. Uns Drummond com Bandeira, Vinícius, Pessoa, Cecília e Clarice.  “Os poetas são chamados pelo sobrenome, as poetas, não.”  Você disse isso para me provocar, porém, eu gostava de sua maneira de se posicionar a respeito de todos os temas e não retruquei. Na ocasião, ganhei pontos seus ao lhe apresentar o Eu, do Augusto dos Anjos e dois livros também em versos do Lúcio Cardoso, livros dos quais não lembro os nomes.

Cada um dos participantes do curso era obrigado a ler ao menos uma estrofe em voz alta. Em particular, notei o quanto você lia vários textos com muito gosto. Eu saboreava encantado sua voz e sua maneira peculiares de declamar. Em tais momentos, eu a fitava, disfarçadamente, com rubor então indefinível. Minha mão tremia e suava. Nunca entendi quase nada disso. Ao trocarmos mais palavras, disse-lhe ter gostado muito do momento de leitura compartilhada, ainda mais que fora leitura de poesia. Que de teatro não gostava muito. “Por que você não gosta de teatro?” Na verdade, eu não soube responder direito à pergunta. O mais próximo de uma explicação que dei a você, em tom de mea-culpa, foi que não conhecia teatro direito. Ou porque aprendera com alguém, de quem não lembro o nome, que Shakespeare era coisa de gente fresca e metida à sabichona. Você sorriu esquisito, como se quisesse me estrangular. E acrescentei que quando não conhecemos algo, é como pisar, na melhor e/ou na pior das hipóteses, em ovos ou em minas. “Mas pisamos em Minas o tempo todo, não? Libertas quae sera tamem!” Você brincava de se fazer de desentendida.

“Eu gosto demais é de ler e de escrever poesias.” “É mesmo? Mostre pra mim um dia desses?” Na terceira aula, eu lhe mostrei minha caderneta, cheia de versos toscos, versos nos quais não faltava, porém, a ternura apaixonada de quem adentrava o reino insólito das palavras. Ao ir para casa com meus poemas, você levou emprestado um pedaço considerável da minha alma. Um tempo depois, houve a devolução. Engraçado, que ao receber de volta o subjetivo objeto, tive a sensação de um anel de vidro que se quebrasse, porém fiquei arrepiado quando você me disse ter adorado meus versos e que eu era, deveras, o primeiro poeta que você conhecia pessoalmente. Ignoro se sabia que desde o primeiro instante que a vira, mesmo ciente de já naquele tempo ser algo fora de moda, eu a considerara minha musa.

Começávamos a trocar constantes referências e impressões literárias. Aproximávamo-nos. Não sei se você se sentia tão perto, o que ocorria comigo. A paixão quer sangue e corações arruinados. Diria o poeta Renato Russo em uma música ao meu coração. Eu não quis ouvir. Pior para mim. Eu não contava com o fato de me apaixonar por você. Eu me aproximei demais. Vi cores em nossos momentos, cores que você de repente não visse. Abraços sem compromisso, beijos curtos e furtivos, detalhes tão pequenos de nós dois dos quais a memória não consegue se desvencilhar.

Eu não desejaria nada mais além de você naquele tempo e foi o que me fez incorrer na cegueira de deixar expresso ao invés de apenas impresso em livro o meu amor por você. Assim feito, a nossa amizade começou a arrefecer. Duas estradas bifurcaram ante nossos passos: você escolheu a mais trilhada, rumo a uma grande metrópole, hoje eu moro no quase ermo. Depois do texto, depois do ensaio, depois da cena o ato se fechou de forma inglória: descobri que o amor pode ser motivo de separação.

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Edson Lopes é poeta, nasceu em Curvelo-MG, mora em Buritizeiro há 16 anos, onde foi professor de Literatura, quando existiu. Atualmente, é professor de Português e autor dos livros Alice no país da mesmice (2000), Historinhas integrais em prosa e verso (2015), além de ter participado das antologias Combustível, Metal e Poema (2011) e Antalogia Poética (2009).

Ilustração: Vinícius Ribeiro, autor de vários desenhos publicados em seu perfil do Instagram @vinny.arts. É apaixonado pela arte de desenhar nas horas vagas e nasceu em Pirapora – MG.

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Adélio Brasil, o costureiro



Entrevistar Adelinho foi muito fácil. A começar pela permissão íntima de se usar o nome no diminutivo; fácil também pelo ambiente confortável de sua casa, pelo vento de março que agitava as árvores da rua e abraçava nossa conversa, pela generosidade com que ele interrompia a entrevista para oferecer suco, cerveja, vinho, qualquer carinho que o valha. Sobretudo fácil, porque todas as perguntas foram respondidas antes mesmo de terem sido feitas. Bastava ouvir. E ouvir, quando o emissor é um exímio contador de histórias, que prolonga ou encurta palavras no momento certo, aumenta ou diminui a entonação da voz no intuito de ênfase, pausa, sabe o peso que cada palavra tem, enfim, ouvir nesse caso é fácil, muito fácil.

Adelinho mora numa casa-ateliê de dois andares, quintal vasto, lugar onde costura, cria, recebe visitas e dança sozinho pelas madrugadas, segundo diz. Lá, recebeu a mim e a Davi para uma prosa caleidoscópica em que início, meio e término se confundiam, assim como nós três. Em sua fala, a todo momento procurava ligações entre nossas três personalidades, num ato tanto de quem se habituou a receber visita e cuida de incluí-la na conversa cotidiana, quanto de artista que recolhe diferentes tecidos espalhados pela casa – e os costura. Adelinho é costureiro e aquela tarde foi de estabelecer elos. 




- Gosto muito do processo de criação no vestir. Eu não trabalho com egoísmos pessoais. O vestir é muito pelo contrário, a pessoa coloca muito mais para fora o que ela realmente é. Tem gente que pensa que vestir é fantasia, e não é. O dia em que eu tô mal, eu tô de calça comprida, uma camisa, assim, lisa, bege... Pode saber, não tá bem – gargalha Adelinho, que naquele dia estava todo de amarelo, qual picolé de pequi.

Formado em Belas Artes e em Decoração, aprendeu a costurar observando as costureiras de uma fábrica para a qual foi chamado para tingir tecidos, em Belo Horizonte, após um período trabalhando, meio a contragosto, como decorador: Sabe quando você se sente em casa? Aquela coisa de manchar tecido e a pintura virar roupa, tomar vida e ir para a rua. Eu acho que o que me fascinou foi isso – abaixa o tom, como quem chega na pedra de uma certeza e a reverencia –, foi isso, sair na rua e ver o tecido que eu pintei andando pela cidade. 



A identificação com os Parangolés, de Hélio Oiticica, que na década de 60 dizia que a “arte deve ser vestida”, não é coincidência, mas influência assumida:

- Quando uma professora de moda perguntou o que era o parangolé para mim, respondi: olha, eu vivo isso. Nunca fiz quadro para ficar estático na parede. Eu faço o tecido pintado, bordado e ele vai embora. Ele tem vida própria. 
Nildo da Mangueira, com Parangolé, 1964

Interrupção para contar outra história
Itzik morou em Pirapora em 1979, ano de enchente, ocasião em que conheceu e se tornou amigo de Adelinho. Judeu, olhos claros, hoje de barba longa e dreads, mora em Jerusalém. Pediu a seu velho amigo uma camiseta colorida bordada. Camiseta bordada? respondeu Adelinho espantado. Logo você que só usa marrom? O costureiro, sempre muito atento às relações entre cores e subjetividades, diz que o amigo, “hippie real e autêntico” que viajou o mundo inteiro e desejava quando moço falar todas as línguas, nunca foi de usar roupas coloridas. Já se cansou de tentar convencê-lo a usar lenços, tintas. Hoje, após o pedido inesperado, contenta-se por bordar uma típica paisagem piraporense numa camiseta branca para o amigo. Itzik receberá Pirapora bordada no peito na capital de Israel, onde ensina às pessoas a respirar. Ninguém sabe respirar, almoçamos correndo, fazemos tudo com pressa  justifica Adelinho, defendendo a relevância do trabalho do amigo. Mas, pessoalmente, entre um assunto e outro não respira. Emenda a conversa.

Após ter trabalhado numa empresa de decoração e numa confecção em Belo Horizonte, Adélio cansou-se do ofício. Seu contato com artistas da capital mineira o fez atentar para o sentido artístico que latejava dentro de si. Eu estava cansado de decoração. Larguei tudo e voltei para Pirapora. Eu queria liberdade, queria começar minha vida de artista, conta. Interessante notar que essa pulsão que o fez buscar a liberdade foi a mesma que o fez buscar a arte, como se fossem os dois um processo só, ou como se fossem sinônimas essas duas palavras. 

- Voltei para Pirapora, trabalhei por uns dois anos com uma, duas máquinas de costura, mas, em um momento percebi que eu precisava melhorar meus instrumentos de trabalho. Por isso, morei em Brasília por quatro meses, onde trabalhei para conseguir dinheiro e então comprar mais máquinas, investir em mim mesmo. Consegui, retornei à Pirapora, abri uma confecção e me tornei o costureiro dos doidão. Sabe esse negócio de customização que falam hoje? Pois é, eu já o fazia no início da década de 90. Tingia, remendava, colocava uma estrela aqui, um brilho acolá... – ri, enquanto relembra.

E, antes de verbalizarmos pergunta já formulada, responde que sempre contou com apoio dentro de casa. Inclusive, em relação a sua sexualidade. Lembra que os amigos conservadores de seu pai chegavam neste para compartilhar um constrangimento: olha, acho que seu filho é ó… E Adélio pai, com uma mentalidade avançada para seu tempo, ouvia os amigos, mas em relação ao filho nunca foi de poda. Pelo contrário, conta Adelinho, ele e minha mãe sempre me deram corda para ser livre. 

- E esse apoio foi fantástico na minha vida. Imagine, eu saí daqui para estudar em BH, trabalhei lá, estava bem sucedido, ganhando dinheiro e, de repente, volto sem nenhum tostão no bolso e a primeira coisa que faço quando chego é abrir um bar numa ilha do rio São Francisco durante a Festa do Sol. Inclusive, eu servia amendoim com o sal numa tampinha e o povo falava que eu servia cocaína. Imagina? Só se eu estivesse rico para servir cocaína no meio do rio – gargalha. Mas o que eu quero dizer é que isso tudo era motivo suficiente para meus pais quebrarem o pau comigo, só que não foi assim. Muito pelo contrário. 


Interrupção para contar outra nova história
Além desse botequim existente durante a Festa do Sol, Adelinho também foi sócio de outro bar, Floridita, junto com um casal de amigos franceses, Christophe e Françoise. O nome do estabelecimento faz referência ao histórico bar homônimo em Havana, Cuba, fundado em 1817, famoso internacionalmente pelo daquiri e por ter sido frequentado pelo escritor norte-americano Ernest Hemingway. O Floridita piraporense não ficou famoso por ter um grande escritor como cliente assíduo, nem por servir cocaína como tira-gosto, mas estava na boca do povo devido aos boatos de que Adelinho se relacionava sexualmente com o casal de amigos. E era verdade? pergunto. Não, responde. Mas beijava a boca dos dois. Não passava disso. 

Davi pintou uma aquarela para dar a Adelinho de presente


A conversa seguiu fluida, pouco organizada, pouco óbvia. Em vários momentos nossas três histórias – minha, de Adelinho e de Davi – se confundiram e não sei se por mérito da energia trocada, ou da capacidade criativa do entrevistado que, ao contar sua própria história, também nos costurava a ela. Somos retalhos ou tecidos inteiros. Roupa é pessoa, Adelinho sintetiza.

Por fim, ou no meio, ou no começo, conversamos ainda sobre a recente movimentação artística pela qual a cidade está passando. Grupos autônomos de literatura, artes plásticas, teatro, capoeira, dança e outras manifestações articulam-se, fortalecem-se mutuamente, resgatando a cultura barranqueira, ou reinventando-a, tirando a poeira que pairou sobre o município durante longos anos. E, sobre o assunto, nós três convergimos no ponto de que não é mais tempo de ficarmos somente exaltando o passado, num saudosismo paralisante, mas de nos perguntarmos: o que podemos fazer para melhorar a produção cultural piraporense hoje, agora? E ficamos felizes em já encontrarmos várias respostas a essa pergunta acontecendo concretamente e outras ainda sendo pensadas todos os dias, pulsantes, latentes. Pirapora vive, concluo. E essa conclusão é minha, mas acho que partilharíamos o ponto de vista se esta afirmativa tivesse sido lançada naquela tarde de março, àqueles ventos que balançavam as árvores e faziam tudo parecer mais colorido, profundo e fácil, sobretudo fácil. 



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Davi, 18, é artista plástico, autor da exposição Partos, ocorrida em Pirapora, 2014, e atualmente reside em Belo Horizonte. Tumblr:


Douglas de Oliveira Tomaz, 22, é escritor, educador, lançou artesanalmente o livro de poemas Escorre, e atualmente reside em Pirapora. Blog: www.abrigosdevagabundo.blogspot.com.br