O processo criativo
surge da minha distração, sempre estou à procura de situações que me levam a
outra dimensão, fazendo produzir com mais intensidade. Distraio-me em
simplicidades, e a simplicidade hipnótica do olhar é a principal das minhas
distrações. Eu acho que, das coisas que me motivam, a visão aberta e ilimitada
é a mais importante. Sou muito questionado quanto à maneira que retrato o olhar
em minhas obras. Vai além de uma fissura desde que me entendo por gente,
percepção, atenção, cuidado, perspicácia são coisas que as pessoas me cobram
com intensidade, e a melhor maneira que encontrei para evoluir nesse sentido,
foi a de inserir isso na minha arte.
Estou em um processo corrosivo de encontro, com
tantos recursos, a arte se expande de forma monstruosa. Mas isso vai além do
pessoal, abrange algo que todo o mundo deveria ter: a visão completa dos
sentidos vista de todos os ângulos, a mostra da realidade no irreal e o
abandono dos limites referenciais.
Minhas duas maiores influências tiveram vidas
opostas, mas viveram de forma intensa: uma foi mulher, sofreu e amou com
intensidade, teve como única alternativa, a pintura. Pintava sua realidade, a
realidade do sofrimento, não se deixou vegetar. O outro se intitulava o próprio
surrealismo, teve uma base oposta, uma evolução prematura e transgressora.
Descobri em mim, a oportunidade de ser sonho e
realidade, quebrar essa tênue e acompanhar com suavidade a minha evolução.
Lembro-me de que, ainda pirralho, na casa da minha avó, pegava caracóis em
tempo de chuva e pintava suas conchas. Eu enxergava mais vida, acho que todos
deveriam pintar suas conchas, não se limitar na proteção, fazer dela seu acervo
de sonhos.
- David Nascimento, em entrevista concedida ao Salto, 03 de outubro de 2014.
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