De manhã, cedo, uma
dor de cabeça desgraçada, pulo da cama. Urino, cago, lavo as mãos, escovo os
dentes, tomo um banho, saio de casa. Vou tentar resolver alguns problemas
marciais, parcialmente. Carrego na mente muitas dúvidas sobre o valor exato das
dívidas: meu começo, meio e fim. Me embaraço nas próprias teias que teço.Tenho
decorada a divisão do velho cenário, a cena fracionada. Ponto de espera (Eterna espera!) em uma fila de
banco. Meço meu desespero e olho em torno do recinto. Uma mulher no atendimento
gerencial chora, de forma copiosa. A figura patética do marido, cheirando a
gari, pinga e fumo trevo, não sabe se a consola, se ajeita ininterruptamente o
boné sujo na cabeça. Então, o ser ou não ser em questão enxuga o suor da testa,
enfia as mãos no bolso da calça costumeira, retira-as, a seguir, como se picado
por escorpiões, ao se flagrar, filmado, por com um sorriso franciscano jogado
às cáries e à podridão, por vários pares de olhos de lince piedosos. Resisto,
dificultosamente, em também cair no sentimento popular de dó dos enfileirados,
pois aparece em minha barriga um incômodo mais imediato: seguro um peido.
Minhas mãos coçam os olhos, bocejo, sem saber se é efeito da última noite de
insônia ou o esboço de um charme tímido e estulto. Não sei se é a mesma timidez
articulada que me faz apertar meu grande nariz de carcará num esforço vão em
afilá-lo. Julgo melhorar minha imagem, ao reprisar o Pensador de Rodin. Aí uma
incontinência urinária me visita. Eis em mim a droga de quarentena perene dos
quarenta! Minhas mãos se aferram a alguma superfície mais próxima em busca de
alívio, como se cada um de meus voos de cera não fosse só mais um e outro e
outro um. Minha vez: aperto as mãos do gerente, apesar de não me sentir à
vontade, sendo educado, com a cabeça prestes a explodir. Ele me dá curso de
oratória, em volume moderado, me convence a não resgatar umas minguadas
economias e me oferece alguns planos econômicos suplementares. Cientifico-me de
estar em um Áden vermelho. O pior, é que nada anda me exaltando.Talvez se eu
gritasse, talvez se eu gemesse, talvez se eu tocasse a valsa vienense, talvez
se eu chorasse, talvez se eu sumisse, talvez se eu morresse, mas, não. Além da conta, sem adendos, lastimo a pirraça que me faz
insistir em sobreviver, maldigo a esperança (Cinzas do sonho.) Reservo
blasfêmias na alcova de exceções à regra. Examino com olho clínico freudiano
meu temor a Deus sem tamanho. Sinto baixíssima minha autoestima. No tão nada
mais da cidade, tudo a que sobrevivo é feio: as ruas, os automóveis, as casas,
as lojas e até as mulheres mais lindas, silepsemente escrevendo. Nesta
desconfiança total, o pensamento segue rastros. Em minha pressa, sou lento.
Nuvens esparsas erram, de acordo com planos não traçados. Ao redor, o espaço se
acha cheio de hipócritas mortos de fome com o Cristo na barriga. Em minha
pobreza abjeta, ressurge, a cada momento, um velho sentimento de asco pelas
crias de Deus às quais tanto me assemelho.
- Edson Lopes, no livro Combustível, Metal e Poema
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