domingo, 30 de novembro de 2014

SPIDER-MAN 'S CRED CARD


De manhã, cedo, uma dor de cabeça desgraçada, pulo da cama. Urino, cago, lavo as mãos, escovo os dentes, tomo um banho, saio de casa. Vou tentar resolver alguns problemas marciais, parcialmente. Carrego na mente muitas dúvidas sobre o valor exato das dívidas: meu começo, meio e fim. Me embaraço nas próprias teias que teço.Tenho decorada a divisão do velho cenário, a cena fracionada. Ponto de espera (Eterna espera!) em uma fila de banco. Meço meu desespero e olho em torno do recinto. Uma mulher no atendimento gerencial chora, de forma copiosa. A figura patética do marido, cheirando a gari, pinga e fumo trevo, não sabe se a consola, se ajeita ininterruptamente o boné sujo na cabeça. Então, o ser ou não ser em questão enxuga o suor da testa, enfia as mãos no bolso da calça costumeira, retira-as, a seguir, como se picado por escorpiões, ao se flagrar, filmado, por com um sorriso franciscano jogado às cáries e à podridão, por vários pares de olhos de lince piedosos. Resisto, dificultosamente, em também cair no sentimento popular de dó dos enfileirados, pois aparece em minha barriga um incômodo mais imediato: seguro um peido. Minhas mãos coçam os olhos, bocejo, sem saber se é efeito da última noite de insônia ou o esboço de um charme tímido e estulto. Não sei se é a mesma timidez articulada que me faz apertar meu grande nariz de carcará num esforço vão em afilá-lo. Julgo melhorar minha imagem, ao reprisar o Pensador de Rodin. Aí uma incontinência urinária me visita. Eis em mim a droga de quarentena perene dos quarenta! Minhas mãos se aferram a alguma superfície mais próxima em busca de alívio, como se cada um de meus voos de cera não fosse só mais um e outro e outro um. Minha vez: aperto as mãos do gerente, apesar de não me sentir à vontade, sendo educado, com a cabeça prestes a explodir. Ele me dá curso de oratória, em volume moderado, me convence a não resgatar umas minguadas economias e me oferece alguns planos econômicos suplementares. Cientifico-me de estar em um Áden vermelho. O pior, é que nada anda me exaltando.Talvez se eu gritasse, talvez se eu gemesse, talvez se eu tocasse a valsa vienense, talvez se eu chorasse, talvez se eu sumisse, talvez se eu morresse, mas, não. Além da conta, sem adendos, lastimo a pirraça que me faz insistir em sobreviver, maldigo a esperança (Cinzas do sonho.) Reservo blasfêmias na alcova de exceções à regra. Examino com olho clínico freudiano meu temor a Deus sem tamanho. Sinto baixíssima minha autoestima. No tão nada mais da cidade, tudo a que sobrevivo é feio: as ruas, os automóveis, as casas, as lojas e até as mulheres mais lindas, silepsemente escrevendo. Nesta desconfiança total, o pensamento segue rastros. Em minha pressa, sou lento. Nuvens esparsas erram, de acordo com planos não traçados. Ao redor, o espaço se acha cheio de hipócritas mortos de fome com o Cristo na barriga. Em minha pobreza abjeta, ressurge, a cada momento, um velho sentimento de asco pelas crias de Deus às quais tanto me assemelho.

- Edson Lopes, no livro Combustível, Metal e Poema

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