domingo, 30 de novembro de 2014

"Minha voz é do rio", Priscila Magella



“Aprendi a cantar dentro das águas do Velho Chico, aprendi a doar minha energia de uma forma mais pura, sem esperar nada em troca. Minha voz é do rio.” Priscila Magella é compositora, cantora, atriz e poeta, contabilizando catorze anos de carreira. Nascida piraporense, com os pés, o corpo e a voz muito bem fincados nas águas do Velho Chico, no chão norte-mineiro, Priscila abre espaço no mundo. Abre espaço cantando. Seu último CD, A Barranqueira, trata da vida no rio, amor e sertão, em canções autorais e de outros compositores consagrados, como Magela e Pepeh Paraguassú. Priscila é mais do que uma voz a serviço do rio. Priscila é voz e voz é rio, força que faz as águas nunca pararem. Abaixo, segue a entrevista concedida gentilmente ao Salto. 

Quem te apresentou a possibilidade de ser cantora? 

A vida inteira fui presenteada com essa possibilidade, minha família sempre muito musical, minha Mãe com sua voz maravilhosa, meu Tio com suas lindas canções barranqueiras e meu querido Pepeh Paraguassú com seu violão que sempre abriram caminhos pra me tornar cantadeira do São Francisco. Mas a compreensão do nosso talento musical nunca está plena, entendi o meu caminho através do Rio.

Você vive de música? Quais as dificuldades de se produzir e viver de arte no Brasil? 

Sim, vivo para a Música. E as dificuldades são muitas, a música é uma energia que roda a alma dos poetas e não poetas, é o que nos faz saber que temos um coração, isso dificulta os padrões materiais em que vivemos. Não é fácil, mas é prazeroso.

O que te move, Priscila? 

Não existe apenas um mover, somos parte de uma unificação de movimentos e no meu caso as energias das músicas e das águas sempre me envolvem para o crescimento. O que me leva a produzir arte é, em primeiro lugar, o amor e, depois, a elevação desse sentimento a todos a minha volta. O que me faz cantar é minha alma à parte, esse amor exacerbado que existe em mim. 

Por que você canta?

Porque eu sou o Rouxinol (risos), assim que me chamam.

Quais são suas influências artísticas? 

Sempre busquei muito, mas as condições eram poucas, como até hoje; não tínhamos internet, ou coisas maiores em Pirapora, ou era pago, ou era longe, enfim, era de difícil acesso. Ouvi muito Edith Piaf, Mozart, Billie Holiday, Caetano, Chico, Bethânia, o início do funk, Cazuza, Legião, Luiz Gonzaga, Geraldinho Azevedo, Capitão Magela e minha Mãe, sempre minha Mãe e meu Tio Magela. Li muitas coisas desde os nove anos, livros bem grandes como O mundo de Sofia, e muitos de Zíbia, Shakespeare, Platão, Guimarães Rosa pra caramba, Gabriel Garcia na atualidade, Cecília Meireles, Lília Diniz, Clarice Lispector, também sou poeta, escrevo muitas coisas. Assisti muitos filmes, não em cinema, porque na cidade até hoje não tem; gostava de imitar personagens, sempre fui fissurada por artes, fiz teatro no grupo Metralhas e hoje retomei isso aqui no NET. Ia pro Ateliê Mil Cores ver Tia Mirian e Vó Iracema pintar, adoro o cheiro das tintas, amava ver os desenhos do meu irmão Cristiano e dormir quando ele tocava Ursinho Pimpão na flauta. Arrumava o escritório de Isaías Ramos e Maria Elisa na escola de música Sala Mozart, pra fazer algumas aulas, porque não podia pagar; depois me tornei muito amiga deles e todos os dias ouvia coisas novas, como Beethoven, Chopin, Bach, entre outros. A música erudita me mostrou caminhos jamais vistos, principalmente as cantoras francesas e suas óperas. Hoje ouço muita coisa, porém de cultura popular, boi de maracanã, toco um pouco de maracatu, faço oficinas de ciranda e voz e já conheci alguns mestres dessa nossa cultura que me presenteou em poder cantar suas “loas”. Fiz capoeira no Grupo Bantus e no grupo Capoeirarte e, como não tinha grana pra batizar, trancei todos os cordéis dos meninos pra ganhar o meu primeiro, no Bantus (risos). Então acho que a vontade é maior que as possibilidades.

Como Pirapora recepciona sua carreira? 

Nossa, bem complexo falar de Pirapora. Quando se diz da cidade enquanto pessoas, o meu canto é sempre bem vindo, mas quando se trata de governo, existe um coronelismo bem forte até hoje, não quero entrar nesse aspecto, mesmo porque todos que me conhecem sabem qual é a minha postura. Um dia, Marku Ribas me disse bem assim: “Priscilinha, ame Pirapora geograficamente...”. Não entendi de cara, mas, hoje, entendo e vivo isso na pele. Mas, como disse, sempre recebi o apoio do público, acho que as pessoas ficam felizes em saber que conto, canto e levo um pouco do nosso sertão por onde passo.

Como você compreende a Arte Barranqueira?

É uma força de vontade bem grande de crescimento e amplitude, antigamente se ouvia mais cantos barranqueiros, viam-se carranqueiros, canoeiros, lavadeiras e toda essa arte que tem se perdido na teia do tempo. O barranqueiro defende seu sertão, canta pro Rio, se queima de sol e tudo é arte, até quando não se está fazendo arte.

E a música barranqueira? 

É uma singela oração ao Velho Chico!



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