quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Feliz ano novo, ou o ano em que fomos todos paridos


“Estamos em 2015”, diz um político na internet. Ele quis dizer, com essa célebre asserção, que precisamos evoluir de alguma forma. Não acompanhei a discussão, mas na certa se referia a algo relacionado a gênero, violência, ou legalização do aborto. Poderia ser também ao contrário, e o cara só quisesse dizer que estar em 2015 é um ano auspicioso para prender jovens delinquentes. Melhor que isso, ele poderia apenas estar fazendo uma referência à seca, lembrou-se de 1915, lembrou-se do quinze e, 100 anos depois da maior seca já documentada, acometeu-lhe o fato de que estaríamos envoltos do mesmo ciclo. Político ligado em consciência ecológica talvez, em gênero e essas coisas que se passam em 2015, coisa rara hoje em dia.

Há uma crença no imaginário esotérico de que anos ímpares são os anos de maior prosperidade e essa lengalenga toda que acompanha o sentido de ser próspero. É como se se esperasse um ano de desastres e outro de bonança, uma alternância que seria bem justa no final das contas. Daria pra respirar em meio à desgraça se depois de 365 dias tudo fosse ouro no final do arco-íris, e o único problema que nos acometesse fossem os anões guardiões do ouro que tentamos a todo custo, em bró de fantasia, levar pra casa.

A Globo fará uma retrospectiva emocionante no final do ano, promete suor e lágrimas aos telespectadores na hora de acompanhar as notícias mais importantes. Com certeza veremos novamente os naufrágios, crianças mortas, conflitos, congresso em chamas, campanhas, fogo, fogo, fogo, fogo (alguém descuidou do cigarro aceso), e em meio ao incêndio alguma figura que se destacou no ano, por bondade ou honestidade, tão defendidas pelos éticos padrões sociais. Aposto que só veremos o mais importante; não vai ter nêgo barrado em ônibus não, as praias da zona Sul continuaram bem habitadas. Todos os lados sul do país continuarão com sua morosa paz ano que vem e a Cantareira se encherá de água novamente, Deus queira.

Pensemos nos anos que passaram, e coloquemos em pauta questões de suma importância, questões que definam o sujeito que você foi e que você é hoje em dia, no tumultuado ano de 2015. Por exemplo, pedi no café da manhã, desses quase 365 dias, entre essas lanchonetes e padarias encardidas, um grande número de pães de queijo e café. Isso demonstra que mantive um padrão durante o ano, não oscilei no cardápio, aliás, nem mesmo quis experimentar outra coisa pela manhã. Mas ano que vem será diferente, ah, com certeza, totalmente diferente.

– Extra, extra! Parem as máquinas, revejam as notícias do dia! Aqui pro norte, 2016 ainda será um ano de naufrágios, é o que diz os tabloides regionais, a crítica especializada do pessimismo.  Talvez o sertão vire mar nas palavras de algum cantador daqui, mas por enquanto...

Não esperemos nada diferente, mas vamos manter o ritual da mudança, ok? Ah, não sabem como fazê-lo? É fácil, vem aqui que eu lhe ensino. Olha, para ter dinheiro, vista uma roupa íntima na cor amarela e guarde uma nota na carteira durante o ano todo, certo? Tá... eu sei que estamos em crise e blá blá, mas cê quer ter prosperidade ou não?

Segundo passo, coma sete sementes de uva na passagem do ano. Eu não sei bem pra que serve isso, mas dizem que funciona, e não se esqueça de pular as ondas, hein? Se não houver mar, apenas tente não se afogar de outras formas. Por último, mas não menos importante, diga em alto e bom tom: “ano que vem será o meu ano, tudo novo, tudo diferente.”.

Agora, depois dos rituais, se vigie e ore pra não passar o primeiro de janeiro lambendo o prato de comida requentada do dia 31 de dezembro. Quanto a mim, cuidarei para ao menos não comer tanto pão de queijo.


P.S.: devo dizer que em 2015 tropecei à beça, vou cuidar pra manter o equilíbrio no ano que se segue.

***

Brenda K. Souza, estudante de letras, 23 anos, natural de Buritizeiro-MG, sem casa no momento. Está, atualmente, associada do clube nacional do otimismo. Escreve quando não pode, e é quando não deve, isso para omitir detalhes.

Ilustração: Vinicius Ribeiro. 

3 comentários:

  1. As ilustrações dessas crônicas são muito boas. Tão intensas e sensíveis quanto os próprios textos. Tem algum site/portifólio/repositório que dê pra acompanhá-las também de forma independente?

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    1. Ei Eloy, Obrigado pelo comentário! Ainda não tenho um site/portfólio ou repositório, mas se quiser acompanhar pode acessar lá no meu Instagram:
      https://www.instagram.com/vinni.ribs/

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    2. Beleza, vou dar uma olhada lá. Mas fica a dica pra investir na carreira, ó.

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